O Tribunal da Relação de Coimbra mandou anular a sentença e repetir parcialmente o julgamento de uma mulher que fora condenada a 23 meses de prisão, a cumprir em casa com vigilância eletrónica. E tudo porque o carro da advogada da arguida avariou quando ia para o julgamento e o juiz recusou adiar uma das sessões.
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O caso remonta ao dia 17 de março do ano passado quando a mandatária da arguida teve um problema mecânico no carro quando se deslocava para o tribunal e que a impediu de comparecer numa das diligências. A advogada deu conta disso primeiro por telefone à secretaria do Tribunal da Figueira da Foz, onde o processo estava a ser julgado, e depois por requerimento. Mas o juiz não quis adiar a diligência e, estando a faltar a advogada, mandou substituí-la por outro defensor, tal como admite o Código de Processo Penal, que, com a prévia consulta dos autos, assegurou a defesa, incluindo as alegações finais.
Descontente com a situação, a arguida apresentou um requerimento, pedindo que aquela audiência de julgamento fosse anulada, mas sem sucesso, tendo o tribunal concluido que a falta da defensora não se mostrava "coberta pelo justo impedimento". "Na verdade, não foi invocado que a avaria no carro impedia o veículo de circular ou comprometia a segurança deste e que era intenção da senhora advogada deslocar-se à [audiência], o que faria o tribunal aguardar pela sua comparência. De resto, ainda que o veículo estivesse impedido de circular, sempre haveria alternativa, [dado que a] avaria terá sucedido no trajeto, e não em local ermo que impossibilitasse a chamada de um táxi", alegou o tribunal.
Inconformada com o indeferimento, a arguida recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que lhe deu razão recentemente. No acórdão, a que o JN teve acesso, os juízes sustentaram que a falta da advogada "já se mostrava amplamente justificada" e criticaram a "aparente exigência do tribunal recorrido" que, "não obstante as condições em que [a advogada] se achava", exigia que esta "fizesse um esforço superrogatório para comparecer".
Os desembargadores Pedro Lima, João Novais e Cristina Branco sugerem que o tribunal de primeira instância teve "desconsideração indevida pelo papel do advogado" e sublinharam que a mandatária escolhida pela arguida era quem melhor tinha melhores condições para defender os seus interesses.
"Damos por absolutamente óbvio que nessa já adiantada fase da audiência, nenhum defensor nomeado poderia razoavelmente esperar-se que assegurasse defesa condigna e, muito menos, quando ainda facultando-lhe a consulta dos autos, nem com isso poderia inteirar-se do sentido e valor da prova já produzida, nem sequer com a arguida poderia conferenciar, porque essa faltava", concluíram, anulando a sessão de dia 17 de março e todas as seguintes, incluindo a sentença, determinando que a audiência fosse retomada até a partir do que fora produzido e decidido até àquela data.