Tribunal da Relação de Lisboa considerou caso como "sinal maior de desprezo" e "profunda humilhação".
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Um homem foi condenado a pagar 660 euros de multa por ter cuspido na cara de um guarda-freio a quem chamara "preto" e perguntara se sabia que "tem um bom emprego" a trabalhar num elétrico. No recurso, a defesa do arguido alegou que se tratara apenas de linguagem "grosseira" e chegou a classificar de "ficção científica" a descrição dos factos feita pelo queixoso, mas a decisão da primeira instância foi agora confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).
"A contextualização das cuspidelas com o significado das palavras dirigidas ao ofendido só podem ser entendidas como a sujeição do mesmo a profunda humilhação", sustentam os juízes-desembargadores.
O caso remonta a 20 de março de 2018. Segundo o acórdão, era quase meia-noite quando o guarda-freio do elétrico 15 da Carris (Algés-Praça da Figueira) foi abordado por um homem que ficou à porta. "Preto, tens um bom emprego, sabias?!", ter-lhe-á dito o indivíduo, cuspindo, em seguida, na sua direção. Inicialmente, a vítima ainda pensou não apresentar queixa. Só que, mais tarde, o arguido terá voltado a dirigir-se ao motorista e este acabou mesmo por participar os factos às autoridades.
Em causa está um crime de injúria, existente quando são dirigidas a uma pessoa palavras que ofendam a sua "honra" e "consideração", agravado, neste caso, pela função profissional da vítima. Mas, para a defesa do arguido, nenhuma daquelas qualidades foi atingida. "A cor simboliza a raça, uns são brancos outros são pretos e isso não é desprimor para ninguém", argumenta. "A ser verdade que o arguido proferiu tais expressões, no contexto em que foram proferidas [......] não têm outro significado que não seja a mera verbalização de linguagem grosseira, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o caráter, o bom nome ou a reputação do ofendido", acrescenta.
Já sobre a cuspidela, alega que, dada a distância da rua ao lugar do guarda-freio, este não poderia ter sido atingido. E apelida de "ficção científica" a descrição do ofendido de que, depois, ainda tentou ir, sem sucesso, atrás do suspeito e que este voltou logo em seguida para o atingir com um murro no pescoço, quando ainda limpava o rosto. Um entendimento que o TRL rejeitou. "Não há nada de inverosímil na descrição feita pelo ofendido", contrapõem os desembargadores, salientando, de resto, que o critério para aferir se algo ofende a honra e consideração não é o que queixoso sente, mas sim o que é aceite, ou não, "pela generalidade das pessoas".
"Cuspir na face de alguém é um sinal maior de desprezo, uma manifestação da intenção de anular a humanidade da existência alheia, de ódio, de desamor ou de rejeição total", concluem.
FUNDAMENTAÇÃO
Culpado com base no depoimento da vítima
O arguido, com antecedentes criminais por crimes menores, foi condenado com base, quase exclusivamente, nas declarações do ofendido. Mas para a defesa há incongruências no depoimento da vítima. Disse que os factos se passaram no verão quando ocorreram em março. Além disso, garantiu, confrontado com imagens que constam do processo, não ser o motorista retratado, por não usar capuz.