Dois homens homossexuais recordaram esta terça-feira, no julgamento dos Hammerskins, as madrugadas em que, há mais de cinco anos, foram atacados, em Lisboa. "Pensei mesmo que ia morrer", disse um deles.
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Dois homens homossexuais que, há mais de cinco anos, foram atacados em situações distintas por alegados membros dos Hammerskins, em Lisboa, defenderam esta terça-feira, em tribunal, que só foram agredidos devido à sua orientação sexual. Nenhum consegue dizer, contudo, quais dos 27 suspeitos de pertencerem ao grupo neonazi atualmente a ser julgados foram os autores das agressões.
A primeira situação aconteceu na madrugada de 31 de agosto de 2014, no Chiado, no centro de Lisboa. André F., então com 22 anos, saía do Bairro Alto com duas amigas quando foram abordados por um grupo de "oito, dez pessoas", de "cabeça rapada". Quereriam um cigarro, mas os jovens não lho deram. O trio continuou a andar e foi seguido até ao carro, estacionado uns metros mais à frente.
Foi quando André F. fumava um cigarro no lugar do pendura, com a porta aberta, que o ataque começou. "Agora vais-te meter com alguém do teu tamanho", terá ouvido a vítima, antes de se refugiar no veículo. Ainda o trancaram, mas os pontapés na porta prosseguiram e, a determinada altura, um dos agressores, começou a saltar em cima do vidro da frente do automóvel. A alternativa, acrescentou, era ficar à espera que este se partisse ou sair do veículo.
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"Lembro-me de ser puxado", relatou, esta terça-feira, frisando que um soco no sobrolho ou no nariz o terá feito cair ao chão. Acabou por ser esfaqueado no peito e pontapeado já caído no chão. Depois, só se recorda de acordar brevemente entre vários desmaios. "Senti imensa dor, custava-me a respirar. Pensei mesmo que ia morrer", desabafou, acrescentando que o facto de ser homossexual "é a única justificação" que encontra para o ataque.
As raparigas não foram agredidas, apesar de, sublinhou pouco depois uma delas, terem então tentado ajudar o amigo. "Ou foi pura maldade, se tivessem de arranjar alguém em quem descarregar, ou foi homofobia", corroborou Bárbara C., hoje com 29 anos. O Ministério Público acredita que foi a segunda hipótese. No julgamento, iniciado a 23 de fevereiro de 2022, ainda nenhum dos arguidos falou sobre o episódio em causa, que deixou André F. com um pulmão perfurado, o nariz e os dentes partidos e dores em todo o corpo durante "bastante tempo".
Ataque após "festa LGBT"
Certo é que a ocasião não foi a única em que um pedido de cigarro terá culminado a uma agressão a um jovem homossexual. Na madrugada de 17 de janeiro de 2015, António M., então com 26 anos, saía com amigos de uma "festa LGBT" num bar perto da Avenida da Liberdade, em Lisboa, quando um rapaz de um outro grupo perguntou se tinham um cigarro. "Disse que não e ficámos a fazer conversa", relatou. O jovem terá perguntado a António M. e aos amigos se eram "dos homens que gostam de outros homens" e estes responderam que sim. A seguir, foram-se embora.
A determinada altura, foi agarrado por trás e teve, sem que se tivesse apercebido, uma arma branca ao pescoço. "O meu amigo apercebeu-se da faca, veio ao meu encontro e empurrou-o", contou, esta terça-feira, sem ter dúvidas de que foi atacado devido à sua orientação sexual. "Não creio que seja só por não ter dado um cigarro, acho que foi mesmo um ato de homofobia", alegou.
Minutos depois, um rapaz que tinha estado na mesma festa foi, segundo a amiga que o acompanhava, atacado por um grupo de homens com o "cabelo rapado". "Cospem-lhe na cara e penso que lhe deram um murro na cara", recordou, esta terça-feira, Assunção G. O grupo, que teria cerca de 10 pessoas, acabaria por ser intercetado pela PSP.
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Os 27 arguidos respondem, entre outros crimes, por discriminação racial, religiosa ou sexual, ofensa à integridade física e tentativa de homicídio. No total, terão, entre 2013 e 2017, atacado 18 pessoas na Grande Lisboa, incluindo, motivados pelo ódio, homossexuais, negros, muçulmanos, comunistas e antifascistas.
Jovem negro espancado
Dos quatro arguidos que, até agora, falaram no julgamento, apenas um, ex-candidato confesso a ser membro de pleno direito dos Hammerskins, admitiu ter participado na agressão, a 3 de novembro de 2013, de um jovem negro em Benfica, em Lisboa. O Ministério Público acredita que o ataque foi motivado por "ódio racial". O suspeito nega.
W., que acabara de sair do autocarro, foi espancado em grupo e abandonado na rua. Acabaria por ser encontrado, pouco depois, por Maria M., que, ao aperceber-se de algo na estrada, pediu ao taxista para parar. Encontrou o jovem caído no chão, cheio de sangue, com a "roupa toda rasgada" e a pedir água. "Na altura, até pensei que a pessoa tinha sido atropelada", desabafou esta terça-feira, em tribunal, a testemunha, hoje com 26 anos.
O julgamento prossegue na quarta-feira, no Tribunal Central Criminal de Lisboa.