Era uma das principais, se não a principal, organização criminosa dedicada à compra e venda de droga em Portugal. Com recurso a dezenas de elementos, controlava toda a cadeia de tráfico, desde a importação do Brasil e África até à comercialização nas ruas lisboetas, vendia centenas de quilos de cocaína por ano e não hesitava em recorrer à violência extrema para manter e conquistar território. O seu líder, Samir, português de origem guineense, escapou por pouco a uma rajada de tiros disparada por um dos grupos rivais. Mas já não evitou a detenção, nesta quarta-feira, durante uma operação levada a cabo pela Polícia Judiciária (PJ). Com ele foram detidos 12 comparsas, todos portugueses e figuras cimeiras da organização.
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Samir, que estava no topo de uma estrutura bem definida e hierarquizada, foi surpreendido no interior de um normal apartamento, situado numa pacata zona residencial da Grande Lisboa. A casa, embora habitada, funcionava como o principal esconderijo e depósito do cartel.
Algumas das divisões serviam, aliás, unicamente para guardar droga e armas e foi lá que a PJ apreendeu a maioria dos 33 quilos de cocaína, 29 de haxixe e 12 de heroína, assim como 70 mil euros em notas, encontrados durante as oito buscas realizadas. Uma metralhadora de uso militar, além de outras cinco armas, silenciadores, um colete balístico e munições, também estava escondida neste apartamento, que sempre se manteve insuspeito para os vizinhos.
Da compra no Brasil à venda nas ruas de Lisboa
"O armamento encontrado é demonstrativo da perigosidade desta organização criminosa", referiu o coordenador da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da PJ, António Dias. Durante a conferencia de imprensa realizada nesta quinta-feira, o mesmo responsável defendeu que a operação "Ano Novo" significou o "desmantelamento de uma organização criminosa que se dedicava, há longa data, ao tráfico de estupefacientes, sobretudo na zona da Grande Lisboa".
O cartel liderado por Samir seria dos poucos, ou mesmo o único, em Portugal que controlava toda a cadeia de tráfico de droga. Importava o produto estupefaciente do estrangeiro, procedia à sua manipulação e embalamento e, por fim, revendia-o junto de outros traficantes, mas também a toxicodependentes, em plena rua. Com todos ganhava muito dinheiro.
O JN apurou que a organização importava, por ano, centenas de quilos de cocaína do Brasil, quase sempre através de bagagens e contentores de mercadorias transportados de avião para Portugal. Nos aeroportos brasileiros e nacionais, o cartel contava com o auxílio de funcionários de empresas de handling para colocar e retirar a droga nas aeronaves. O avião também era o meio de transporte usado para importar a heroína adquirida em África, enquanto o haxixe chegava a Portugal por via terrestre.
Rivalidade com "Xuxas", mas inimigos eram outros
Toda a droga era, confirmou fonte policial, para comercializar em território nacional, facto que fez com que o cartel liderado por Samir ganhasse uma dimensão pouco vista entre os narcotraficantes portugueses. Grandeza que granjeou inimigos, mas que Samir e o seu bando não tiveram receio de enfrentar.
A luta pelo domínio do tráfico, especialmente em Lisboa, foi-se intensificando nos últimos anos e, com ela, aumentou a violência entre gangues. Em 2021, o próprio Samir escapou de uma tentativa de assassinato e, no ano passado, foi a sua mulher a ser alvo de um atentado a tiro, quando estava no interior do carro.
Até com Rúben Oliveira, o narcotraficante conhecido por "Xuxas" e braço-direito do "Escobar brasileiro" major Carvalho, Samir manteve alguma rivalidade. Contudo, o antagonismo entre os dois traficantes limitou-se ao mercado de importação de cocaína, porque, ao contrário de Samir, "Xuxas", detido pela PJ em outubro do ano passado, canalizava toda a droga para outros países da Europa.