Cinco anos depois de a regulamentação dos horários dos guardas prisionais ter sido alterada para impedir que estes trabalhassem 24 horas seguidas, a prática subsiste, graças à troca de turnos.
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"Esta é uma matéria em que a cultura e prática institucional se sobrepuseram à norma legal", constata o Observatório Permanente da Justiça (OPJ), do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Segundo o estudo do OPJ - "Para uma reforma do sistema prisional: o caso da aplicação do Estatuto da Guarda Prisional" -, 64,3% dos 324 guardas inquiridos consideram que podem sempre contar com a colaboração dos colegas. Ainda assim, a tolerância perante a prática varia consoante a cadeia.
"As trocas de serviço são por todos os atores assumidas como cultural e funcionalmente intrínsecas ao exercício laboral dos estabelecimentos prisionais, tendo como pressuposto, por todos aceite, que a prestação laboral pode ser concentrada, de modo a permitir a acumulação consecutiva de dias de descanso", frisa.
Carreira "estagnada"
O OPJ manifesta ainda compreensão por reivindicações dos guardas prisionais - que os têm levado a fazer greve ao trabalho extraordinário nos últimos meses - de mecanismos que lhes permitam evoluir na carreira, incluindo um novo sistema de avaliação.
"Há um alargado consenso entre os [93] elementos do Corpo da Guarda Prisional entrevistados quanto à ideia de uma carreira estruturalmente restrita e, sobretudo, funcionalmente estagnada", conclui o relatório, de mais de 400 páginas, dos investigadores do OPJ.
A reestruturação da carreira de guarda prisional, a abertura de um concurso de acesso a chefe da guarda prisional e a criação de um sistema específico de avaliação são algumas das sugestões.
Voz aos guardas
Estabilidade atraiu
Cerca de 90% dos 324 guardas prisionais inquiridos desempenhou outras profissões: 30,8% no comércio, hotelaria ou setor fabril, 26,3% na carreira militar e 23,4% na construção civil, eletricidade, mecânica ou agricultura. A maioria foi atraída pela estabilidade financeira no emprego e pelo fascínio pelas forças de segurança e pela farda.
Falta valorização
Quase metade (48,8%) dos profissionais inquiridos não se sente realizado profissionalmente. Já 76,1% sentem que a sociedade não valoriza a profissão de guarda prisional, incluindo em comparação com outras forças de segurança.
Exigem alterações
A esmagadora maioria dos inquiridos defende quer a revisão do estatuto profissional (87,8%) quer dos níveis remuneratórios (93,9%) do Corpo da Guarda Prisional. Há ainda 85,8% que discordam da afirmação de que atual sistema de avaliação do seu desempenho profissional "é adequado".
Várias lacunas
Cerca de três quartos dos profissionais inquiridos não frequentam todos os anos uma ação de formação, apesar de a maioria desejar fazê-lo. Mais de metade (52,3%) afirma estar a desempenhar tarefas para as quais não recebeu formação. Já entre os que frequentaram formação, 63,9% consideram que há áreas úteis que não foram abordadas.
Alvo de agressões
Cerca de 12% dos guardas garantem ser frequentemente alvo de agressões físicas por parte de reclusos. A percentagem sobe quando em causa estão as cadeias do Porto, Alcoentre e Coimbra. Paralelamente, 23% dizem não se sentirem aptos para conter fisicamente um preso. Beja, Funchal e Lisboa são as prisões onde se sentem mais confortáveis
Apoio desejado
A esmagadora maioria dos profissionais inquiridos (93,1%) considera "importante" ter acesso a apoio psicológico, ainda que nem todos tenham recorrido ao mesmo. Muitos têm reservas por o apoio ser prestado dentro do sistema prisional.
Sem condições
Entre os inquiridos que exercem funções em Coimbra, 97,3% afirmam que a prisão necessita de obras. Na cadeia de Lisboa, a proporção é 95,3% e na de Alcoentre de 87%. A média nacional é de 71,4%. A percentagem melhora quando se trata das condições para exercer o trabalho.
Choque geracional
Os inquiridos reconhecem que a integração dos novos guardas prisionais nem sempre é fácil. O facto de estes terem tido melhor formação inicial mas serem inexperientes gera tensão. "É fundamental que os diferentes saberes e experiências geracionais possam dialogar", dizem os membros do Observatório de Justiça.