Medida proposta para melhorar distribuição de guardas e de reclusos. Trabalhadores do sistema consideram que há cadeias a mais em Portugal.
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O Observatório Permanente da Justiça (OPJ) defende, num estudo sobre o sistema prisional, que as cadeias geograficamente próximas devem passar a funcionar em rede. O objetivo é evitar o desperdício de recursos humanos, em particular de guardas prisionais, e melhorar a distribuição de reclusos, consoante as suas necessidades.
Atualmente, há no país 49 prisões - um número considerado "excessivo" pela maioria dos 131 guardas, diretores e técnicos entrevistados pelos investigadores. Os inquiridos lembram que, em regiões como o Minho, há cadeias pequenas com funcionários a mais e outras de grande dimensão com trabalhadores a menos.
O relatório foi solicitado ao OPJ pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) em 2019, mas mantido em segredo até há poucos dias. Os seus autores entendem que, face à "impossibilidade" de se construírem estabelecimentos maiores a curto prazo, a solução passa "pela criação - à semelhança do que ocorreu em outros setores como a saúde, a educação ou mesmo o sistema judicial - de estruturas intermédias, designadamente através de figuras de agrupamentos ou outras, que permitam o funcionamento em rede de vários estabelecimentos prisionais próximos, como se só de um se tratasse".
Entre as vantagens apontadas, estão, além da melhor distribuição de guardas prisionais, a gestão mais eficiente de valências e de afetação de reclusos, com benefícios, por exemplo, na resposta às necessidades de idosos ou toxicodependentes e na separação entre presos preventivos e condenados ou entre primários e reincidentes. A possibilidade de existirem mais cadeias especializadas, nomeadamente para jovens, será outra das vantagens.
"Temos a consciência de que se trata de transformações complexas em organizações igualmente complexas", reconhece o OPJ, que recomenda que, numa primeira fase, as mudanças ocorram de forma experimental e monitorizada.
Farpa aos governos
A equipa coordenada por Conceição Gomes, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, lembra, de resto, que em 2017 o próprio Ministério da Justiça decidira já encerrar oito estabelecimentos prisionais e construir cinco.
Mas os projetos não são executados, apesar de surgirem, sistematicamente, em documentos estratégicos e orçamentais. O Estabelecimento Prisional de Lisboa é apontado como um caso "paradigmático" dessa "má prática de desenvolvimento de políticas públicas".
"Pouco adianta a apresentação de programas de reforma que não conseguem sair do papel ou têm uma baixa execução e são, por isso, incapazes de impulsionar uma verdadeira transformação no campo a que se dirigem", frisam os investigadores. Tal, alertam, cria "falsas esperanças" em quem está no terreno, acentuando o "desânimo" e "falta de confiança nas instituições como agentes impulsionadores da mudança".
O OPJ sugere, por isso, que, além do efetivo reforço das verbas atribuídas ao sistema prisional e em particular à DGRSP, a "agenda estratégica de reformas" para o setor passe a ter compromissos "realistas e devidamente escalonados no tempo".
"Não sendo possível, por razões financeiras ou outras, a construção de novos estabelecimentos prisionais, não deve constar do programa de reforma, pelo menos a curto prazo, previsão nesse sentido", exemplificam os autores.
Um quinto considera que há presos que não deviam estar a cumprir pena
Um quinto dos 324 guardas prisionais inquiridos no âmbito do estudo solicitado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais considera que no estabelecimento prisional a que estão afetos há reclusos que não deveriam estar presos. Os dados indiciam que em causa estarão, sobretudo, pessoas com penas de cadeia até meio ano. "Assisti a muitos casos em Lisboa de miúdos que iam para lá por falta de carta e por álcool e saíam de lá com a escola do crime", recordou um. Outro lembrou o caso de um homem que entrou "para cumprir 66 dias" por não ter pagado uma multa. "Eu acho que foram buscá-lo ao trabalho. [...] É aberrante", disse.
Números
11 588 reclusos estavam nas cadeias portuguesas, a 31 de dezembro de 2021, segundo as estatísticas oficiais. O Estabelecimento Prisional de Lisboa era o que tinha mais presos: 894. No extremo oposto, estava, no continente, o de Odemira, com 25.
12 618 lugares era a lotação máxima, na mesma data. Das 49 prisões, 17 tinham presos a mais. O Observatório Permanente da Justiça alerta que uma parte significativa da lotação é em camaratas, contra as boas práticas internacionais.
Testemunhos de guardas
Nós não temos dimensão para 49 cadeias. Temos não sei quantas regionais com 30, 40, 50 reclusos e 20, 30 guardas. Esses guardas resolviam muitos dos problemas de falta de efetivos
Atualmente, com a evolução da sociedade, da tecnologia, dos transportes, das comunicações, não se justifica termos esta dispersão do nosso parque penitenciário
É bom para a terra, porque os estabelecimentos prisionais criam movimento. Temos Viana, Guimarães, Braga. Podia-se criar uma cadeia maior e acabar com as três. Em termos de custos, era diferente, ganhava-se muito dinheiro. Ganhava-se homens. Há um desperdício de recursos
Temos prisões em excesso. Algumas deviam desaparecer. São demasiado pequenas