Providência cautelar contra a PGR revela que o caso BES, com 617 volumes, foi rejeitado por nove procuradores do Ministério Público. Um deles é a diretora de novo departamento central criado para defender o Estado.
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O procurador do processo de liquidação do BES trocou o Tribunal do Comércio de Lisboa por um novo departamento do Ministério Público, criado justamente para defender os grandes interesses patrimoniais do Estado, mas foi autorizado a deixar o fardo para trás. A diretora do novo departamento, aliás, não queria lá o processo, já com 617 volumes. E os cinco procuradores que ficaram no Tribunal do Comércio também se mostraram indisponíveis. A fava calhou, então, a dois magistrados de Sintra e Vila Franca de Xira, que, porém, já requereram uma providência cautelar, reputando de ilegal a sua transferência, à força, para a Comarca de Lisboa.
Os requerentes, Jaime Olivença e Anabela Conceição, pediram ao Supremo Tribunal Administrativo para suspender a eficácia de uma decisão da procuradora-geral da República, Lucília Gago, que confirmou o despacho do procurador-geral regional de Lisboa em substituição, Orlando Romano, onde é determinada a sua transferência de comarca e a titularidade do processo do BES. A petição é de 19 de junho e ainda não foi julgada, pelo que os magistrados tiveram de se apresentar, há dias, no Tribunal do Comércio de Lisboa.
Jaime Olivença e Anabela Conceição trabalhavam, respetivamente, nos tribunais de comércio de Vila Franca de Xira (este a funcionar em Loures, Comarca de Lisboa Norte) e de Sintra (Comarca de Lisboa-Oeste), onde cada um dividia com um colega mais de nove mil processos, a maioria sobre insolvências. Para convencerem o Supremo Tribunal, invocam as doenças dos ascendentes a seu cargo, afirmam que o despacho de Lucília Gago violou a "arquitetura jurídica" do MP e sublinham razões de interesse público.
Alegam que o interesse público será melhor defendido se regressarem a Sintra e Loures, onde o volume processual é muito elevado, e se o colega Carlos Ribeiro reassumir o processo de liquidação do BES, uma vez que já o conhece e foi colocado no departamento a que compete, segundo o Estatuto do MP de 2019, "a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, em casos de especial complexidade ou de valor patrimonial particularmente relevante".
Amadeu contra troca
A petição conta que Carlos Ribeiro assumiu o processo, em exclusividade, há mais de dois anos, acordando que o acompanharia até ao fim. Mas, em 2019, concorreu com sucesso ao novo Departamento Central de Contencioso do Estado e de Interesses Coletivos e Difusos (DCCEID), e disse que não queria continuar com o caso do BES.
O coordenador da Comarca de Lisboa, Paulo Carvalho, e o então procurador regional, Amadeu Guerra, opuseram-se. "Considero ser prejudicial para o processo a saída do Dr. Carlos Ribeiro [...]. O mesmo deve continuar a acompanhar o processo", escreveu Amadeu Guerra. Ambos defenderam, também, que o processo também devia ir para o DCCEID. "Este é um processo que se adequa completamente ao núcleo do contencioso do Estado, pois não vislumbro que, qualquer outro na área cível, pelo menos na comarca de Lisboa, tenha tão [grande] importância, complexidade e repercussão social como este", defendeu Paulo Carvalho.
Mas a ex-assessora da ministra da Justiça que dirige o DCCEID, Ivone Matoso, não quis o processo neste departamento, que tem quatro procuradores para 131 processos. "No atual momento processual, a fase de representação, pelo Ministério Público, dos interesses patrimoniais do Estado já se encontra praticamente concluída", afirmou, contra a tese dos requerentes: "A fase de reclamação de créditos terminará com o trânsito em julgado da sentença de verificação e de graduação de créditos, sendo que neste caso concreto permanecem créditos litigiosos da Fazenda Nacional de montante elevadíssimo".
Supremo vai decidir
Cinco procuradores no Tribunal de Comércio foram contactados, mas responderam que, face a "elevada pendência", não têm "condições para acompanhar o processo do BES".
Perante isto, em março, Orlando Romano (já em substituição de Amadeu Guerra) ouviu Jaime Olivença e Anabela Conceição e decidiu transferi-los e impor-lhes o caso do BES. Os visados impugnaram o despacho, mas o Conselho Superior do MP, com sete votos contra, recusou apreciar o recurso e passou a bola a Lucília Gago. Esta confirmou o despacho de Romano, por decisão que está agora a ser escrutinada pelos juízes do Supremo Tribunal Administrativo.