Mulher que foi "noviça" em "convento" da Fraternidade Cristo Jovem relata agressões e castigos às mãos de um "freira" e de um padre. Julgamento de escravidão prossegue em Guimarães.
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Cristina Faria, "noviça" do "convento" da Fraternidade Cristo Jovem, em Requião, Famalicão, garante que foi agredida pela "freira" Arminda Costa e que viu esta a bater noutras "noviças", com "a mão, com o chinelo e com o chicote". "Quando era com o chicote, era de ver estrelas", queixou-se. "Não sei de onde lhe vinha tanta força", observou Cristina, referindo-se a Arminda, que foi acusada de crimes de escravidão de "noviças", cometidos ao longo de anos. Outras duas "freiras", Isabel Silva e Joaquina Carvalho, e o padre da instituição, Joaquim Milheiro, também estão a ser julgados, no Tribunal de Guimarães, pelo mesmo tipo de crime.
Ouvida no julgamento esta semana, Cristina Faria contou que entrou para o "convento" em 1990, quando tinha 15 anos, e foi resgatada pela Polícia Judiciária em novembro de 2015, aquando das buscas. Mas regressou em janeiro de 2016, porque "as pessoas que lhe causavam problemas", Arminda e padre Milheiro, já lá não estavam, justificou. Confrontada com o fato do sacerdote ter regressado à Fraternidade poucos meses depois, a testemunha justificou que ele era "manipulado" por Arminda e, sem esta presente, já não representava uma ameaça.
Cristina disse que Joaquim Milheiro também insultava as "noviças", mas atribuiu as agressões a Arminda, que seria expulsa da instituição pelo "padre Abel", após a intervenção da Polícia Judiciária no "convento".
Sem água e obrigada a despir-se
No seu depoimento, Cristina relatou alguns episódios passados no "convento. "O armazém do papel tinha algumas coisas desarrumadas, e a Arminda chegou e virou-se a mim à bofetada, porque não deveria ter o armazém assim", contou, dizendo que a agressão a fez sangrar do nariz. Também narrou uma "coça" que apanhou com uma mangueira e castigos como o de não poder beber água, andar sem roupa interior e ser obrigada a despir-se à frente das colegas.
Às vezes, os castigos não tinham explicação: "Fiquei duas noites trancada na casa de banho e não sei porquê", exemplificou.
As únicas pessoas do "convento" que tinham autorização para ver televisão, segundo a religiosa, eram o sacerdote, Isabel e Arminda. Para falar ao telefone, tinham de pedir autorização. "Se um familiar ligasse e eu atendesse, tinha de ir pedir autorização para falar com ele", explicou.
As jornadas de trabalho rondavam as 10 horas, mas, excecionalmente, podiam ser "13 ou "14 horas". E, apesar de dizer que na "casa" não faltava comida, chegou a estar doente, com diagnóstico de "fraqueza". "O pequeno-almoço e o lanche eram pouco, não tínhamos tempo para comer mais", avançou, acrescentando que também não era permitido comer sem autorização superior.
Castigos purificadores
Durante o seu testemunho, a religiosa apontou Arminda como autora dos castigos físicos, dizendo que "Isabel e Joaquina nada podiam fazer" em face do que se passava. Perante as insistências do MP para perceber porque estas duas, mais velhas na Fraternidade, nada podiam fazer, Cristina respondeu que, "internamente", era Arminda quem mandava.
A testemunha explicou ainda por que razão nunca quis abandonar a Fraternidade: "Aceitava os castigos porque pensava que era para me sentir mais humilde, para me purificar". "Mas, com os anos, comecei a achar que era demais", confessou.
Pormenores
50 mil euros
É quanto Cristina Faria pede de indemnização ao centro social responsável pelo "convento", às "freiras" Isabel, Arminda e Joaquina e ao padre Milheiro, pelas "privações, agressões e humilhações" sofridas.
Igreja Católica nega convento e freiras
A Igreja Católica vem-se demarcando da Fraternidade Cristo Jovem, em Famalicão, dizendo que não se trata de um convento e não tem freiras.
Cerimónia com "30 sacerdotes"
Cristina Faria sente-se consagrada e contou ao tribunal que recebeu o "hábito" numa cerimónia presidida por D. Eurico, em 1989, pouco depois de este deixar de ser bispo de Braga. "Se recebi o hábito da mão do bispo e dizem que não sou consagrada...", contesta.