Funcionário de filial do BES na Suíça desviou montante depositado por casal de emigrantes. Tribunal decide que Novo Banco tem de restituir valor.
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O Tribunal da Relação de Lisboa condenou o Novo Banco a indemnizar em cerca de meio milhão de euros um casal de ex-emigrantes na Suíça enganado, há pelo menos uma década, por um funcionário da antiga sucursal do Banco Espírito Santo (BES) na cidade helvética de Lausana. O homem, que chegou a exercer funções de gerência da filial, ter-se-á apropriado do dinheiro ali depositado, durante anos, pelos clientes.
O acórdão confirma a sentença do Tribunal Cível de Lisboa. O Novo Banco não se conforma e vai recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, por considerar que o caso não deveria, no âmbito da resolução do BES, em 2014, ter transitado para a sua esfera, adiantou ao JN fonte daquela instituição.
Segundo o acórdão, proferido a 22 de novembro, o construtor civil e a mulher mudaram-se, no final da década de 1970, para a Suíça. A partir de 1996, o homem passou a deslocar-se ao balcão do BES em Lausana para depositar, em numerário ou através de cheques, dinheiro na sua conta à ordem. O seu interlocutor era, por norma, A.S., e a confiança era tanta que, mesmo depois de ter regressado a Portugal, em 2006, continuou a ir à Suíça para depositar os seus rendimentos. No total, terá passado para a guarda do BES um total de 531 336 francos suíços, correspondentes a 481 207,46 euros.
Até que, em junho de 2013, A.S. deixou de atender o telefone. Nessa altura, o casal solicitou a um outro funcionário do BES em Lausana o extrato de conta, tendo então constatado que o montante em causa fora embolsado e não depositado por A.S. Isto apesar de, ao longo dos anos, terem sido emitidos comprovativos dos depósitos com o timbre do banco e pagos pela instituição os juros devidos.
Há anos nos tribunais
Confrontado com o sucedido, o BES propôs-se, na primavera de 2014, a reembolsar 265 334,45 francos suíço. Os ex-emigrantes recusaram, uma vez que perderiam cerca de metade do valor que tinham depositado. No verão seguinte, o BES caiu, tendo o Novo Banco rejeitado responsabilidades. Os lesados decidiram então ir para tribunal e, em 2018, a primeira instância até deu razão à instituição financeira. Só que, em março de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça mandou o processo voltar à estaca zero. E, a 31 de agosto passado, o Tribunal Cível de Lisboa condenou o Novo Banco a indemnizar os lesados em 496 207,46 euros por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros de mora. A instituição recorreu para a Relação e voltou a perder.
No acórdão, as juízas desembargadoras lembram que os montantes para depósito foram, ainda que através de um funcionário, entregues no balcão do BES em Lausana, considerando-se transferidos para a esfera da instituição. A partir desse momento, frisam, a gestão do risco de extravio é da responsabilidade do BES, tal como a restituição ao depositante, findo o negócio, das quantias em causa.
As magistradas concluem, assim, que se trata de uma questão contratual e não de uma contingência, tendo, por isso, transitado do BES para o Novo Banco, que é obrigado a ressarcir os lesados.
Pormenores
Danos emocionais
A perda do dinheiro e a recusa do Novo Banco em assumir responsabilidades causaram ao casal, segundo o acórdão, "incómodos, arrelias", muito nervosismo", "insónias e perturbação do sono", o que justifica a compensação por danos não patrimoniais.
Exigiam mais
Os ex-emigrantes, residentes em Sernancelhe, exigiam ser ressarcidos em mais 25 mil euros do que o montante que acabou por ser definido pelo Tribunal Cível de Lisboa e agora confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Pagamento suspenso
O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça adia, por agora, o pagamento. Só se a decisão vier a ser confirmada é que aquele será feito.
Suspeito do desfalque tinha confiança dos portugueses
No acórdão público, o funcionário do banco no centro do incidente é apenas identificado como A.S., sendo descrito como alguém que, ao longo do tempo, foi estabelecendo uma "relação de confiança" com emigrantes portugueses na Suíça, incluindo o casal lesado. Entre 1994 e junho de 2003, foi gerente da sucursal de Lausana, extinta naquele mês. Nos cinco anos seguintes, foi, na mesma cidade, responsável do escritório de representação. Em 2008, reformou-se, mas não parou, tendo passado a prestar serviços de assessoria como coordenador de uma rede de promotores. Em junho de 2013, desapareceu do mapa. Entre os factos dados como não provados está a sua morte.