O responsável pela unidade da PSP destinada ao controlo de fronteiras aeroportuárias, Hugo Palma, alerta que o número de requerentes de asilo a pernoitar durante dias na área internacional do aeroporto de Lisboa “vai crescer necessariamente”, devido à “saturação” dos centros de alojamento temporário de migrantes.
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Na terça-feira, existiam 13 pessoas, todos homens, nessa situação, sem cama e com acesso limitado a espaços para tratar da higiene pessoal. Ao limite, quem vê recusada a entrada em Portugal ao aterrar no país poderá ficar até quatro meses num limbo, sem poder circular em território nacional, enquanto aguarda que um tribunal decida o seu futuro.
O problema tem surgido sobretudo desde que, a 29 de outubro de 2023, se concretizou a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Em causa, explicou esta quarta-feira Hugo Palma, está o facto de, até àquela data e em virtude daquele organismo reunir então competências policiais e de concessão de asilo, os requerentes terem sido autorizados, na ausência de riscos para a segurança e enquanto aguardavam a análise do pedido, a deslocar-se, com um visto temporário, ao Centro de Acolhimento da Bobadela (Loures), gerido pelo Conselho Português de Refugiados, onde era depois encontrada uma solução transitória.
Só que, com o fim do SEF e a atribuição das competências policiais à PSP e as de concessão de asilo à nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), tal deixou de ser possível. “Precisamos que a AIMA nos diga se houve, ou não, admissibilidade do processo. O que está acontecer é que os processos não estão a ser admitidos”, salientou.
Homens em maioria
Os migrantes podem recorrer nos quatro dias seguintes, mas, depois, os tribunais têm 60 dias úteis para se pronunciar, prorrogáveis por mais 30. Só com uma decisão judicial favorável podem abandonar os aeroportos, onde, entre Lisboa, Porto e Faro, os Espaços Equiparados a Centros de Instalação Temporária têm um total de 28 vagas para homens, 28 para mulheres e dois quartos familiares. Os dois últimos centros estão já a servir de retaguarda ao primeiro.
Atualmente, apenas nove lugares estão livres e todos para mulheres, quando “80%” dos requerentes são homens. Sem vaga, resta aos cidadãos estrangeiros dormir nos bancos ou no chão dos aeroportos.
Segundo o superintendente, só em novembro de 2023 foram recebidos 79 pedidos de proteção internacional à chegada aos aeroportos, mais do dobro dos registados no mesmo mês de 2022 (38). Entre 1 e 19 deste mês de dezembro, foram entregues mais 32. De um total de 111, só quatro não foram apresentados após recusa de entrada em Portugal pela PSP.
“Houvesse pessoas a sair e, em uma semana ou pouco mais, estaríamos a conseguir pelo menos dar um sítio para as pessoas se deitarem. O número em área internacional vai necessariamente crescer, porque a nossa capacidade está esgotada”, lamentou esta quarta-feira, durante uma apresentação aos jornalistas no aeroporto de Lisboa, Hugo Palma, falando num "efeito bola de neve".
O JN questionou o Ministério da Administração Interna sobre eventuais medidas para solucionar o problema, mas não obteve resposta em tempo útil.
Testemunho
Fugiu com os filhos do Congo e parece estar "na cadeia"
Está assustada e é num misto de português e francês que, aos 35 anos e sem revelar o nome, explica como fugiu do Congo, com os dois filhos, de 14 e cinco anos. Saiu do país-natal – onde há vários conflitos armados e de onde o marido não conseguiu fugir – a 3 de dezembro de 2023, mas só 15 dias mais tarde entrou em Portugal, num voo entre Maputo (Moçambique) e Lisboa.
“Eles vão-te ajudar”, disse-lhe um amigo da família. Barrada à chegada, mãe e filhos foram encaminhados para o Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária do aeroporto, onde “não há nada para fazer”. “Parece uma cadeia”, desabafa, sabendo já que terá de esperar dias por um intérprete da sua língua materna para poder ser entrevistada pela AIMA.