Guardas provisórios juraram bandeira. O JN ouviu quatro desses 189 jovens desejosos de ajudar e à procura de estabilidade.
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A manhã de agosto não está particularmente quente em Portalegre, mas o suor escorre já pelo rosto da maioria dos 189 guardas provisórios da GNR que, fardados com calças e camisa de manga comprida azuis, aguardam há meia hora em sentido para jurarem o seu compromisso com Portugal.
Entre eles estão Anita Gomes, João Galinha, Marlise Sanheiro e Miguel Nobre, todos na casa dos 20 anos, e, até há poucos meses, trabalhadores de norte a sul na área da hotelaria, do comércio, dos seguros ou do desporto. Agora, estão um passo mais perto de, quando concluírem o 49.º Curso de Formação da GNR, ingressarem na força militar.
Alguns cumprem um sonho de criança, com ou sem inspiração familiar. Outros querem apenas ajudar quem precisa. Quase todos se regozijam com a estabilidade que uma carreira na instituição proporciona.
"Tenho uma filha de quatro anos", explica, ao JN, Marlise Sanheiro, já recomposta do reencontro, regado a lágrimas, com a menina e o companheiro, quase dois meses após ter iniciado o curso, no Centro de Formação de Portalegre da GNR.
A família reside no Pinhal Novo, no concelho de Palmela, e, com a guarda provisória quase em permanência na cidade alentejana, a distância tem sido, desde o final de junho, a norma.
"É uma questão de adaptação. Vai-se suportando alguma coisa que falta com outras que se ganham cá", salienta, ao JN, Marlise Sanheiro, de 25 anos, a demonstrar que, como garante, "as suas características" se adequam à GNR.
"Mais do que fazemos, é o que somos", acrescenta a antiga operadora de seguros. "Era só um trabalho, não é como aqui", insiste.
"Servir portugal"
Miguel Nobre, de 23 anos e natural da Guarda, sabe bem do que se fala. Com formação superior em desporto, trabalhou, durante algum tempo, como técnico de exercício físico. Mas o objetivo sempre foi entrar, mais cedo ou mais tarde, na GNR, para, enumera sem hesitar, "servir Portugal", continuar o "legado militar" da família e tentar ter uma vida com "maior estabilidade".
As primeiras semanas do curso - destinadas exclusivamente à formação militar, incluindo para candidatos provenientes das Forças Armadas - foram "completamente diferentes daquilo a que estava habituado".
"Não há margem para falhar", sublinha o guarda provisório, com um entusiasmo que faz prever que não é a exigência que o impedirá de prosseguir no caminho que há tanto traçou.
Nem o seu, nem o de João Galinha, também de 23 anos, que, apesar do momento de festa que sempre é o de juramento de bandeira, não esconde que a componente militar da instituição é, "possivelmente", aquela com que "menos se identifica". Afinal, embora esta seja "importante", é a parte "mais social e humana" do trabalho da GNR - o foco das próximas semanas do curso - que mais o atrai.
"Sempre gostei de ajudar as pessoas e sempre tive um grande sentido de responsabilidade e de compromisso. Penso que a GNR é uma instituição que permite juntar essas duas valências", argumenta, ao JN, o jovem de Ponte de Sor, que, até há pouco tempo, trabalhava numa loja de roupa em Coimbra, depois de se ter formado em Solicitadoria.
Anita Gomes, de 25 anos e natural de Peniche, está também a cumprir um sonho de menina... que, sem tradição militar na família, nem consegue explicar de onde vem. "Sinto que sempre tive isto em mim. Sempre gostei muito desta parte militar e de ajudar pessoas. É uma coisa minha", conta, com um sorriso no rosto, a ex-pasteleira num hotel.
um "misto de emoções"
Durante o juramento de bandeira, na última quinta-feira, a jovem foi, de resto, um dos guardas provisórios que, na altura de assumir o compromisso com a pátria indispensável na vida militar, conteve a custo as lágrimas que se queriam soltar.
"É muita emoção", desabafa. Marlise Sanheiro concorda, ainda que prefira falar num "misto de emoções". "É um sentimento de que já fizemos uma parte e de que ainda falta muito. É um sentimento de honra", explica.
Além de um momento solene, a cerimónia representa o primeiro dia do resto dos dias de um militar... e das suas famílias.
Que o diga Esperança Galinha, de 49 anos, que, mal reencontrou o filho, João Galinha, após o juramento se abraçou ao jovem com os olhos marejados. Mesmo que agora esteja já mais conformada com a opção tomada pelo recém-militar.
"[Quando ele disse que queria ir para a GNR], não reagi muito bem. É uma profissão com muito risco e sendo ele meu filho...", recorda, já mais tranquila. O pai - João Galinha, 51 anos, e mais reservado - reconhece que também fica com o coração nas mãos, apesar de se mostrar mais otimista.
"Para mim é normal, desde que ele esteja bem. Temos de ajudar no que ele precisar", sustenta.
Helena Santos, 51 anos e mãe de Anita Gomes, não esconde que "está sempre a pensar como é que [a filha] está", mesmo que, apesar da surpresa perante a decisão da jovem, a tenha apoiado desde o primeiro minuto.
Bem mais descansados estão os pais de Miguel Nobre, já familiarizados com os moldes do destino que o filho escolheu por, garante o seu pai, "vontade própria".
"Portugal tem uma tradição militar muito grande. Temos tido comportamentos exemplares. Confiamos plenamente", justifica Pedro Nobre, de 50 anos.
olhar para o futuro
Numa instituição como a GNR - que tem diversas valências além do patrulhamento fora das grandes cidades do país -, nem todas as funções têm, aliás, o mesmo grau de risco para os militares... para satisfação de Esperança Galinha.
"Terei muito orgulho em começar pelo patrulhamento e, se for esse o meu destino, continuar por lá. Mas uma área que me conquistou é a investigação criminal", revela João Galinha.
Já Anita Gomes sonha ir para a unidade de cinotecnia, dedicada, nomeadamente, ao resgate de pessoas com recurso a cães.
"Poderia ajudar os outros e sempre lidei muito com os animais", diz, esperançosa.
Concluída a componente militar do curso, os guardas provisórios vão agora receber formação teórica e prática, incluindo um estágio.
No total, iniciaram o 49.o Curso de Formação da GNR 358 candidatos, dos quais 25 já desistiram. Entre os 333 que resistem, 144 já passaram por um dos ramos das Forças Armadas e, por isso, não participaram, na quinta-feira, no juramento de bandeira, por já o terem realizado anteriormente.
"No meu não me emocionei assim", desabafava, entre a multidão que assistiu ao momento, uma militar à civil, enquanto limpava as lágrimas e procurava o melhor ângulo para fotografar um familiar em sentido. "A responsabilidade que agora assumi é maior. Espera-vos um árduo trabalho e aplicação constante. Conto com o vosso empenho e dedicação para que, no próximo ano, ingressem nas cadeias [da Guarda Nacional Republicana]", afirmou, na cerimónia - que contou com a presença do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro -, o 2.o comandante daquela instituição, Nuno Pires da Silva.
Anita Gomes, João Galinha, Marlise Sanheiro e Miguel Nobre mal podem esperar por esse dia. Sempre com o apoio da família.