Tinham a experiência de operadores de "call center", treinados para convencer as pessoas, e puseram em prática as técnicas de argumentação para montar um gigantesco esquema de burla com o MB Way, especialmente dirigida a donos de restaurantes ou lojas de todo o país, a quem sacaram cerca de 640 mil euros. Mas após cerca de dois anos, a dupla e os cúmplices que ajudavam no branqueamento, através de casinos online, foram detidos pela PSP.
Corpo do artigo
Os dois principais arguidos, atualmente em prisão preventiva, foram condenados por burla e falsidade informática a sete anos e meio e sete anos e oito meses de cadeia pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia, que sentenciou mais cinco pessoas por lavagem de dinheiro proveniente dos crimes. O fenómeno das burlas com MB Way está novamente a crescer, com cerca de dez queixas por dias registadas em 2022.
Segundo o acórdão dos juízes Fernanda Amaral, António Nogueira e Amélia Teixeira, os dois arguidos, residentes em Gaia, usaram a sua "experiência comercial de atendimento telefónico" e procuraram, através da Internet, contactos de estabelecimentos comerciais, mas também de pessoas, para estabelecerem contactos telefónicos com os mesmos. Identificavam-se como comerciais ou funcionários da EDP, "assumindo que o faziam em nome e representação dessa empresa, de quem se arrogavam ser funcionário, engodo destinado a conseguir que tais pessoas por si contactadas procedessem a transferências bancárias ou pagamentos de que viessem a ser os beneficiários", pode ler-se no acórdão a que o JN teve acesso.
Os burlões adaptavam o discurso a cada uma das pessoas contactadas e conseguiam ganhar a confiança das vítimas, levando-as a usar os terminais multibanco dos seus restaurantes ou lojas para lhes transferirem o dinheiro, que nunca mais viam. A dupla preparava os golpes ao pormenor. Através da Internet obtinham os nomes completos, moradas e contactos telefónicos das vítimas, usando esta informação para os convencer.
"A postura paciente, educada e disponível com que os arguidos Hugo F. e Mário F. telefonicamente se apresentavam, habituais nos comerciais das empresas fornecedoras de energia elétrica, como a EDP, permitiu-lhes, na grande maioria das situações, obter a confiança dos "clientes" que por ambos foram contactados, levando-os a confiar nas informações que lhes prestavam", explica o acórdão.
reembolso rápido
Depois de estabelecerem uma relação de confiança, os arguidos diziam às vítimas que tinham direito a um crédito ou reembolso, derivados de acertos de contas nas leituras e faturação da EDP. O reembolso tinha de ser efetuado imediatamente, para o "cliente" não perder o direito ao crédito.
Mantinham quase sempre o contacto telefónico de modo ininterrupto, acompanhando por telefone o "cliente", quer para o fornecimento de dados bancários, quer até este chegar a uma máquina multibanco ou no próprio terminal de pagamento automático dos estabelecimentos. Depois, sem ter consciência da burla, as vítimas acabavam por transferir dinheiro para contas de casinos online controladas pelos arguidos.
Era nesta fase que os cúmplices entravam no esquema, enquanto titulares das contas de jogadores dos casinos virtuais para onde as vítimas transferiam o dinheiro. O saque era depois levantado em numerário. Entre 2019 e abril de 2021, mês em que foram detidos pela PSP, lucraram 640 mil euros.
Arguidos fizeram confissão integral e sem reserva
Os dois principais arguidos, defendidos pelo escritório FRA Advogados, de Matosinhos, confessaram integralmente e sem reserva todos os factos pelos quais foram acusados. A investigação da PSP apurara que a dupla tinha lesado pelo menos 80 comerciantes e empresários. Porém, o Tribunal de Vila Nova de Gaia entendeu condenar os arguidos por um único crime de burla qualificada por acreditar que existiu uma única resolução criminosa, "verificando-se a unidade de dolo a comandar a série de atos que os arguidos desenvolveram". Contactado pelo JN, o advogado dos arguidos, Ricardo Pinto, referiu que ainda está a estudar o acórdão e só depois poderá decidir sobre a interposição de um eventual recurso.
Pormenores
Escutas telefónicas
A PSP manteve os indivíduos sob vigilância e escutas telefónicas durante vários meses. Também foi autorizada a quebra de sigilo bancário, o que permitiu apurar as movimentações nos sites de apostas e casinos online.
Apreensões
Aquando das detenções, em abril de 2021, as buscas realizadas em Gaia, Porto, Maia e Penafiel permitiram a apreensão de cerca de nove mil euros e nove telemóveis, assim como material informática e droga, que era para consumo próprio.
76 mil euros foram declarados perdidos a favor do Estado pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia, por se presumir que eram provenientes da atividade criminosa do grupo.