Grupo de trabalho do Ministério da Justiça propõe incentivos à denúncia. Planos de prevenção poderão ser obrigatórios em empresas privadas.
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O Governo deverá avançar com a implementação de novos mecanismos de proteção dos denunciantes de crimes de corrupção e ilícitos conexos. A recomendação surge no relatório final de um grupo de trabalho constituído no âmbito do Ministério da Justiça e, sabe o JN, deverá ser discutida em Conselho de Ministros durante setembro.
Em causa está a necessidade de transposição para Portugal, até dezembro de 2021, de uma diretiva europeia, de dezembro de 2019, que prevê a proteção de pessoas que denunciem violações do direito da União Europeia (EU).
A ideia consiste em criar um diploma legal específico de proteção dos denunciantes, indo além do previsto na diretiva. Isto é, prevendo salvaguardar quem denunciar violações de direito interno português - e não apenas da UE. A defesa do pirata informático Rui Pinto tem reclamado precisamente a aplicação deste estatuto, qualificando-o como "whistleblower" (denunciante) - ler texto na página ao lado.
Atualmente, existem normas relativas a denunciantes, mas o grupo de trabalho coordenado por Maria João Antunes, professora da Faculdade de Direito de Coimbra e ex-juíza do Tribunal Constitucional, sublinha a necessidade de promover a sua articulação, por se tratarem de regras dispersas. Refere-se, em especial, ao regime de proteção de testemunhas, à legislação de combate à corrupção, branqueamento de capitais e terrorismo, bem como ao código dos valores mobiliários e regime das instituições de crédito.
Menos denúncias em 2019
Em equação, por recomendação do grupo de trabalho, estará uma estratégia de promoção e uso dos canais já existentes em matéria de denúncias de corrupção, tanto em entidades públicas como privadas.
Neste contexto, é assinalado que o sistema de denúncia eletrónica "Corrupção: denuncie aqui", do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, tem constituído um meio relevante para a abertura de inquéritos, ainda que, no ano passado, se tenha verificado redução de 20,7% no número de denúncias, em comparação com 2018.
Outro exemplo apontado pelo grupo - que reuniu magistrados, elementos da Polícia Judiciária, do Conselho de Prevenção da Corrupção, Inspetor-Geral dos Serviços de Justiça e técnicos do Ministério da Justiça - é o da plataforma de denúncias da Federação Portuguesa de Futebol, na sequência de um trabalho desenvolvido entre a Polícia Judiciária, a UEFA e a Sportsradar. Através deste instrumento, são admitidas denúncias, inclusive anónimas, sobre casos de corrupção desportiva e de combinação de resultados (fenómeno conhecido por "match fixing").
Para o grupo de trabalho nomeado pela ministra Francisca Van Dunem, as denúncias devem ser incentivadas e promovidas como meio privilegiado de repressão da corrupção e crimes conexos. Isto porque, neste tipo de criminalidade, não existe uma vítima concretamente determinada e são frequentes os pactos de silêncio, entre corruptor e corrompido, configurando-se múltiplos obstáculos à investigação.
Privado é prioridade
As prioridades identificadas pelo grupo de trabalho que deverão servir de base às alterações legislativas passam também por comprometer mais o setor privado na prevenção, deteção e repressão da corrupção.
Poderá ser instituída, designadamente, a obrigatoriedade de grandes e médias empresas estabelecerem, nas suas organizações, planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações. Esta obrigação existe atualmente apenas no seio das entidades do setor público.