O Ministério Público (MP) pediu, esta terça-feira, a absolvição de Nuno Afonso, fundador e ex-militante do Chega, por ter, alegadamente, ofendido a "credibilidade" e "prestígio" do Bloco de Esquerda (BE) ao acusar o partido, no Facebook, de "instrumentalizar populações e etnias" e "apoiar a violência".
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Na origem das publicações esteve uma manifestação, em janeiro de 2021, de imigrantes em Serpa, no primeiro dia da campanha de André Ventura, líder do Chega, à Presidência da República.
Esta terça-feira, a procuradora Maria João Abranches sustentou, na reta final do julgamento, em Lisboa, que as declarações de Nuno Afonso, à data dos factos chefe de gabinete do então único deputado do Chega, foram "grosseiras", mas"não admitem a censura penal, sem prejuízo do mau gosto de todo o debate político atual".
Para a magistrada, não há "grande diferença" entre "o estilo de discurso" do ex-militante do Chega e o de elementos do BE, nomeadamente o da deputada Mariana Mortágua.
Em causa, exemplificou, está o facto de, em 2022, a bloquista ter defendido na CNN Portugal, em reação ao resultado das Legislativas, que o Chega "vai querer introduzir na sociedade e no Parlamento uma cultura de ódio, uma cultura de medo, uma cultura de baixo debate político".
"É mais ou menos farinha que está toda no mesmo saco. É tudo um discurso de ódio", considerou Maria João Abranches, sublinhando que, "infelizmente", o "contexto político atual português é a política do bota abaixo", com o "BE e o Chega" a serem "o exemplo disso mesmo".
"É pura invenção", diz BE
Na resposta, o advogado do BE, entidade assistente no processo, lamentou que a procuradora tenha feito uma "intervenção política", sem apresentar as suas conclusões sobre a prova apreciada no julgamento.
"Eu não considero que o Ministério Público e os dignos magistrados sejam todos farinha do mesmo saco. [...] Há bons e maus magistrados, não são todos farinha do mesmo saco", afirmou Vasco Barata, lembrando que, no confronto político, há partidos que têm pessoas condenadas por "corrupção" ou "racismo" nos seus quadros e outros não.
"Não podemos é considerar que não existe nenhum limite à liberdade de expressão", defendeu.
Vasco Barata pugnou, por isso, pela condenação de Nuno Afonso por um crime de ofensa a pessoa coletiva, dado que, no seu entender, ficou provado que as declarações do arguido foram "pura invenção".
Entre outros aspetos, o mandatário desvalorizou, o facto de a manifestação em causa ter sido convocada por Alberto Matos, presidente da delegação de Beja da Associação Solidariedade Imigrante (SOLIM) e militante do BE. "[As imagens] mostram pessoas sem qualquer tipo de ligação gráfica, de propaganda do [partido] aqui assistente", salientou.
"Não houve danos", alega defesa
Para a defesa de Nuno Afonso, a ligação entre Alberto Matos, um dos promotores da manifestação, e o BE não é, contudo, um acaso. "Além de ter sido assessor do BE, também fez parte dos órgãos sociais. [...] Há, de facto, uma organização [da manifestação], contrapôs, nas suas alegações finais, Fernanda Marques Lopes.
A advogada sustentou ainda que o seu cliente tinha, à data, "boa fé" de que as imputações que fez, incluindo de que a campanha de André Ventura estaria a ser "espiada" pelos bloquistas, eram "verdadeiras", nomeadamente pela alegada presença em Serpa e noutros locais de "uma carrinha matriculada em nome do BE".
Fernanda Marques Lopes pediu, por isso, que Nuno Afonso, atualmente vereador independente em Sintra, seja absolvido do crime de que está acusado, punível com pena de prisão até seis meses ou de multa até 240 dias. A causídica solicitou, igualmente, que o tribunal rejeite a indemnização de 20 mil euros exigida pelo BE, um valor que apelidou de "astronómico" face ao que é habitual noutros crimes.
"Não houve sequer danos. Os próprios ex-deputados [do partido] desconheciam o processo até [serem chamados a depor] no julgamento", concluiu.
A decisão do Tribunal Local Criminal de Lisboa é conhecida a 1 de março de 2023.