O Ministério Público de Leiria defendeu, durante o debate instrutório do processo do incêndio de Pedrógão Grande, que os 12 arguidos que constam na sua acusação devem ser julgados. Os advogados de defesa de cinco arguidos apontaram erros na acusação.
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O Ministério Público de Leiria defendeu que os 12 arguidos que constam na sua acusação devem ser julgados. O MP não se referiu ao presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, o arguido número 13 deste processo, mas que recorrerá para o Tribunal da Relação desta condição caso o juiz de instrução se pronuncie desfavoravelmente às suas intenções.
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Considerando que este é um "processo difícil, complexo e complicado", subjacente a uma "tragédia nacional sem precedentes" e que causou "consternação e indignação" a todo o país, a procuradora do MP salientou todos os factos que constam na acusação relativamente a cada um dos arguidos.
"Com este processo, o MP nunca pretendeu, nem pretende, crucificar ninguém, mas tão só apurar responsabilidades. Sabendo que a instrução não é um pré-julgamento, cumpre analisar a suficiência ou não dos indícios", afirmou a procuradora. Segundo a procuradora, os factos imputados aos arguidos na acusação têm "suporte probatório", quer em provas testemunhais, quer assentes nos relatórios técnicos independentes, apensos à acusação.
Seria uma enorme revolta se este processo não avançasse
Também Ricardo Sá Fernandes, advogado de uma das assistentes no processo, defendeu que todos os arguidos sejam levados a julgamento. No entanto, apelou para que o presidente da Câmara de Pedrógão Grande seja incluído nos 12 acusados pelo MP.
"Devem ser todos e mais um. A legitimidade de um assistente é para o processo todo, não só para alguns factos. Portanto, há legitimidade da assistente [pedir a inclusão de Valdemar Alves]", adiantou.
"Seria uma enorme revolta se este processo não avançasse" para julgamento, defendeu.
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Antes do início do debate instrutório, o juiz de instrução anunciou que foi recusado o requerimento de uma das vítimas a pedir a abertura de instrução para o presidente da Câmara de Pedrógão, Valdemar Alves, uma vez que o email foi enviado para um endereço errado, pelo que nunca chegou ao tribunal.
Valdemar Alves foi constituído arguido a pedido de Ricardo Sá Fernandes, em fevereiro. O advogado do autarca anunciou desde logo que iria recorrer para a Relação, mas o processo só subirá a este tribunal quando o juiz de instrução se pronunciar.
Todo este processo é um problema de causalidade
Rui Patrício, advogado dos arguidos José Geria e Casimiro Pedro (EDP), lembrou que a instrução deve basear-se na "análise dos factos e das provas e do Direito", para se apurar "se há ou não sustento para ir a julgamento, se há ou não prova indiciária suficiente".
"Todo este processo é um problema de causalidade. A questão é saber como é que a cada arguido pode ser imputado o resultado de morte. Quero que, mergulhando no processo nas questões de causalidade, o juiz veja, em relação a todos os arguidos, se estão reunidas as questões da causalidade", afirmou o advogado. Para Rui Patrício, a acusação "imputa crimes de resultado", esquecendo que o incêndio foi "absolutamente excecional".
O advogado apontou as várias características do incêndio, que estão descritas no relatório independente de Domingos Xavier Viegas, nomeadamente a "inclinação dos terrenos, interação do incêndio com a atmosfera e a questão do vento, que é o ponto crucial".
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O jurista acrescentou que estes fatores "evidenciam uma situação excecional e extraordinária", cujos resultados conduziram "à morte e às ofensas à integridade física".
Rui Patrício salientou ainda que os "comportamentos que lhe são imputados não correspondem ao dia dos factos e são um problema de causalidade". "Não podemos somar pequenas causas e a todas elas imputar um resultado danoso".
"Mesmo que tudo o que diz o MP fosse verdade, onde estão factos concretos? Não há uma alegação suficiente, há uma alegação genérica", acrescentou, salientando que os arguidos até "fizeram mais do que aquilo que a lei exigia".
"Os meus clientes não devem ser pronunciados, porque cumpriram todos os deveres que lhe eram devidos. Faixas de proteção devem ser inspecionadas no tempo de 10 anos. E eles faziam de cinco em cinco, logo faziam muito mais", defende.
Não pode nem deve ser tratado como um incêndio normal
Paulo Farinha Alves, advogado de Sérgio Gomes, comandante operacional distrital de Leiria na altura, considerou que "são tantos e gravosos os erros na acusação que não é possível outra decisão" que não seja o não pronunciamento do arguido.
"O que se passou a 17 de junho [de 2017] não pode nem se deve passar em claro, mas não pode nem deve ser tratado como um incêndio normal, com tão elevado número de vítimas de gravidade elevada. É inaceitável que haja um punhado de responsáveis só porque a comunidade acha que deve haver um grupo de responsáveis e é lamentável que o MP tenha desvalorizado as características únicas daquele incêndio", disse Farinha Alves.
O advogado salientou ainda que o MP "ignora" que o país "não tinha meios, porque o pilar do combate não estava preparado para combate deste incêndio".
"Esta verdade incomoda, não sou eu que digo, mas o relatório da comissão técnica independente. Nenhum serviço da Europa poderia ter previsto o que se passou".
"O desfecho deste incêndio era completamente imprevisível e a acusação ignora que o país se encontrava na fase bravo e com meios reduzidos, que o pré-posicionamento não existia. Fala em freguesias prioritárias, quando não existiam, não sabe o que é um ataque ampliado e quer fazer crer que o incêndio é uma ciência exata. Ignora que cada incêndio tem a sua característica", afirmou Paulo Farinha Alves.
Os culpados somos todos nós
A advogada de Augusto Arnaut, comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Magda Rodrigues, afirmou que "todos os culpados de Pedrógão Grande estão nesta sala". "Os culpados somos todos nós, que temos terrenos abandonados, que deixamos a terra e não mais voltamos, que durante décadas, enquanto cidadãos, não exigimos ao dever político o cuidado e o zelo", disse.
A advogada apontou que o MP exigiu "uma ação além do humanamente possível, ignorando a excecionalidade do incêndio", retificando que, "ao contrário do que diz a acusação, todos os meios disponíveis foram pedidos".
José Acácio Barbosa, defensor de Mário Cerol, segundo comandante distrital de operações de Leiria, também salientou os "erros que constam na acusação", nomeadamente a hora em que o arguido assumiu o comando das operações.
Desenvolveu-se uma tempestade de fogo, imprevisível
"Mário Cerol chegou ao teatro de operações às 19 horas e assumiu o comando às 19.55 horas e nas duas horas de comando é dito que não fez o que tinha de fazer e não conseguiu conter o incêndio. Ora, no relatório dos incêndios florestais - e é pena que a acusação não se debruce mais sobre as características do incêndio -, é insofismável que as condições tornaram o combate muito difícil e mesmo impossível depois das 19 horas", disse José Acácio Barbosa.
O advogado lembrou que "entre as 20 horas e as 21.30 horas desenvolveu-se uma tempestade de fogo, imprevisível, em condições que o combate ao incêndio era impraticável e perigoso", e que o arguido "solicitou meios de combate", nomeadamente "meios aéreos, máquinas de rasto e grupos de reforço para incêndios florestais".
Segundo José Acácio Barbosa, "estes erros apontados não evidenciam quais os deveres de atuação nem o que deveria ter feito".
"O arguido fez em duas horas tudo o que estava ao seu alcance, dentro da sua vastíssima experiência. O MP disse que não chegou, mas não diz o que deveria ter feito".
São arguidos neste processo 13 pessoas, incluindo os presidentes dos municípios de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande em funções à data dos factos: Fernando Lopes, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respetivamente.
Estão acusados de dezenas de crimes de homicídio por negligência e de ofensa à integridade física por negligência.
O grande incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Escalos Fundeiros, concelho de Pedrógão Grande, e que alastrou depois a municípios vizinhos, nos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, e destruiu cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.