A Câmara de Sintra abriu um inquérito para apurar as circunstâncias de um alegado crime ambiental que terá sido simulado por agentes da Polícia Municipal (PM) de Sintra, sob o comando do major da GNR Manuel Lage, confirmou o JN junto da autarquia. Em causa está uma carrinha que terá sido removida da via pública e transferida para a PM de Sintra, em novembro de 2018, e que, dias depois, seria colocada numa zona onde era frequente a deposição ilegal de resíduos, no Alto do Forte, em Rio de Mouro, para encenar um delito que, afinal, pode nunca ter acontecido.
Corpo do artigo
Na altura, a apreensão da carrinha em Rio de Mouro, que foi amplamente noticiada pela comunicação social, inclusive pelo JN, tinha sido revelada em plena assembleia municipal pelo presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, para justificar o reforço da fiscalização que tinha sido feito no âmbito de uma campanha, iniciada dois meses antes, para apanhar os responsáveis pela deposição ilegal de entulho em espaços públicos do território sintrense.
No entanto, segundo avançou a revista "Sábado" na quinta-feira, 12 de maio, nunca existiu um auto de apreensão ou contraordenação referente à referida viatura.
Comandante contestado
A PM de Sintra é comandada há seis anos pelo major Manuel Lage. Ao JN, a autarquia esclarece que, à data dos factos, o comandante da PM estava a tirar o curso de major e que outra pessoa ficou a substituí-lo. "Há aqui agentes que assinaram um auto de remoção e são essas pessoas as mais indicadas para me explicaram o que aconteceu", afirmou Manuel Lage à publicação. Questionada sobre se continua, ainda hoje, a manter a confiança no major, a Câmara presidida por Basílio Horta respondeu, ao JN, que "a presunção da inocência e o respeito pela legalidade estão sempre presentes em todas as decisões da autarquia".
No início do mês, recorde-se, o JN noticiou que o comandante da Polícia Municipal de Sintra estava debaixo de fogo, depois de ser acusado de discriminar profissionais na marcação de escalas. Entretanto, na semana passada, uma investigação da revista "Sábado" deu conta ainda de acusações de gestão danosa, viciação de quilómetros de viaturas e discriminação de agentes do sexo feminino, envolvendo polícias do núcleo duro do major Manuel Lage, que é também arguido num processo onde é suspeito de dois crimes de tortura, um de ofensa à integridade física e um de abuso de poder.
Segundo esta publicação semanal, o alegado caso de tortura ter-se-á passado no parque municipal de viaturas da PM, quando dois indivíduos foram surpreendidos a roubar peças de carros e, já detidos e algemados, terão sido agredidos.
Sobre a alegada discriminação de polícias do sexo feminino, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) confirmou, ao JN, que recebeu uma queixa. Esta foi-lhe dirigida pelo Sindicato Nacional das Polícias Municipais, em representação de cinco associadas da PM de Sintra, tendo sido justificada por uma "alegada prática de assédio moral discriminatório". A queixa foi recebida pela CITE a 2 de dezembro de 2021 e ficou totalmente instruída a 23 de fevereiro. "Neste momento, o processo encontra-se em análise, motivo pelo qual ainda não foi emitido qualquer parecer", respondeu ainda a CITE.
Partidos pedem apuramentos dos factos
A situação que se vive atualmente na Polícia Municipal de Sintra dominou as intervenções iniciais de quase todas as forças políticas presentes na sessão extraordinária da Assembleia Municipal da última terça-feira.
Os deputados Eunice Baeta (Iniciativa Liberal) e António Rodrigues (PSD) criticaram, respetivamente, a abertura "tardia" e os contornos "desconhecidos" do inquérito sobre a simulação do crime ambiental. Também defenderam a suspensão temporária, até ao apuramento dos factos, do comandante da Polícia Municipal de Sintra.
"A carrinha foi plantada ou não de forma a dar credibilidade à narrativa por si [Basílio Horta] utilizada na Assembleia Municipal aquando da discussão da fiscalização ambiental? Existiu tal ilegalidade ou não? Se existiu, quem foi o responsável por tamanha farsa política e de enorme cariz ilegal? (...) Existiu falsidade na questão da quilometragem ou não tinha conhecimento de tal facto? Existiu gestão danosa na frota apreendida?", inquiriu sucessivamente a deputada do CDS Ana Limpo, que "repudiou" ainda o comportamento do major Manuel Lage e dos agentes da PM "que filmam de forma ilegal".
Já Marília Rocha, do Nós Cidadãos, falou em "sucessivos escândalos" no seio da PM. Anabela Macedo, do Chega, disse que o seu vereador no Executivo, Nuno Afonso, é o único que tem "trazido estas situações a público".
Por sua vez, Tânia Russo, do Bloco de Esquerda, questionou que outras medidas seriam tomadas, além da abertura de um inquérito, e Miguel Portelinha, do PS, pediu contenção, defendendo que se aguardasse que a verdade viesse "à superfície".
Em resposta genérica a todos os deputados, o vice-presidente da autarquia, Bruno Parreira, apenas adiantou que Basílio Horta (que esteve ausente da sessão) "remeterá para o Ministério Público tudo o que houver para remeter" e vai "respeitar integralmente a instrução dos processos de inquérito que decorrem".