No início do verão do ano passado, havia três mulheres presas em regime de segurança. Todas estavam na cadeia de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, confinadas à cela 21 a 22 horas por dia e, no restante período, a um pequeno pátio, rodeado de altas paredes e com grades no topo.
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Uma das detidas chegou a estar dois anos sem poder usar um soutien e sem autorização para guardar sabão e tampões higiénicos. Os casos estão descritos no relatório do Comité para a Prevenção da Tortura, organismo do Conselho da Europa que mostrou muito preocupação com esta situação e recomenda a Portugal que tome “medidas urgentes para acabar com as condições de confinamento quase solitário” em vigor nesta cadeia.
A prisão de Santa Cruz do Bispo é a única, em Portugal, considerada de alta segurança, dispondo de cinco celas para acolher reclusas incluídas neste regime. Entre o final de maio e início de junho do ano passado, três delas estavam ocupadas. Numa permanecia uma condenada num processo mediático ligado ao crime organizado, transferida recentemente da cadeia de Tires, onde tinha sido apanhada na posse de medicamentos proibidos. Aguardava extradição para o país de origem.
Noutra, a delegação europeia encontrou uma mulher que, na prisão desde 2015, cumpria pela quinta vez um regime de segurança devido a comportamento violento. E, na terceira cela, estava uma presa que, há quatro anos, era considerada perigosa e que só numa ocasião abandonou o regime de segurança. Uma destas últimas duas reclusas foi considerada inimputável e outra sofria de problemas psiquiátricos.
Sozinhas no ginásio
As três reclusas, relata o Comité para a Prevenção da Tortura, “raramente saíam das suas celas” e quando o faziam “era-lhes proposto que passassem duas horas por dia, individualmente, num pequeno pátio dedicado à unidade de segurança”, descrito como “pequeno e sombrio, sem vista para o horizonte e com grades no topo”. “Também não tinha meios de descanso, nem abrigo contra as intempéries”, lê-se no relatório.
Além da ida ao pátio, as reclusas de Santa Cruz do Bispo só abandonavam a cela para, duas vezes por semana, encontrarem-se “com o seu educador, para uma sessão individual de 30 minutos”, e para irem, “em grupo, para o ginásio, duas vezes por semana, para sessões de 30 a 45 minutos”. “Apenas podiam sair quando todas as outras mulheres estavam fechadas e a sua deslocação tinha de ser organizada de forma a não encontrarem ninguém pelo caminho”, critica o comité europeu.
"Sinto-me como um animal. Todas as outras mulheres estão fechadas quando vamos ao ginásio. Se, por acaso, estiver uma pessoa no corredor, os guardas gritam-lhe para se ir embora", confessou uma das reclusas à delegação.
Uma das três presas revelou ainda que não foi autorizada, durante dois anos, a ter um soutien, sabão ou tampões higiénicos, enquanto outra admitiu que a sua situação tinha melhorado nos últimos anos, porque passou a dispor de “lençóis, uma almofada e produtos de higiene”. Já a reclusa que aguardava extradição era obrigada a comer com “talheres de plástico, não tinha televisão no quarto e não tinha portas nos armários”.
“O Comité para a Prevenção da Tortura entende que pode haver necessidade de restringir objetos nas celas de segurança para garantir a segurança de seus ocupantes e que isso deve ser adaptado caso a caso. No entanto, a avaliação dos riscos colocados por um recluso deve ser efetuada dentro de um prazo razoável e revista em intervalos regulares”, sugerem os especialistas europeus.
Organismo muito preocupado
A delegação que visitou Portugal classifica o regime para as reclusas colocadas sob um regime de segurança de “mau” e recomenda que estas, “como já foi expresso no passado, tenham acesso a um vasto leque de atividades de natureza variada (trabalho, de preferência com valor profissional; educação; desporto; recreio/associação)”, permitindo “progressivamente mais tempo fora da cela”, para que “a sua reintegração na população prisional” seja possível.
Por outro lado, o Comité para a Prevenção da Tortura mostrou-se “muito preocupado com a presença de reclusos com perturbações mentais, durante longos períodos de tempo, num regime de segurança rigoroso”. E destaca o caso da presa declarada inimputável.
“Embora reconheça que a prisão tentou adaptar o regime e reintegrá-la num regime de detenção normal, o comité é de opinião que essas pessoas devem receber cuidados especializados numa instituição de saúde mental. Deve ser adotada uma abordagem multifacetada, envolvendo psicólogos clínicos na conceção de programas individuais, incluindo apoio psicossocial, aconselhamento e tratamento”, sustenta o relatório.