Autarca de Oeiras pretendia que TEDH reconhecesse que entrevista do presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi decisiva para a sua prisão
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O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, queria que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) reconhecesse que uma entrevista, em 2011, do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha Nascimento, influenciou os juízes que o condenaram a uma pena de dois anos de prisão e que, devido a essa circunstância, não teve um julgamento imparcial. Contudo, numa decisão conhecida na quinta-feira, os magistrados europeus recordaram que os tribunais portugueses analisaram "com pormenor" os sucessivos recursos à sentença por fraude fiscal que mantiveram, durante quase quatro anos, o autarca fora da cadeia. E recusaram julgar o caso.
Estávamos em agosto de 2009 quando Isaltino Morais foi condenado a sete anos de prisão pelo Tribunal de Oeiras, que o considerou culpado dos crimes de fraude fiscal, corrupção passiva, abuso de poder e branqueamento de capitais. O autarca não se conformou e recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, em julho de 2010, anulou parte do acórdão, ordenou que o edil fosse julgado noutro processo por corrupção e manteve uma pena de dois anos de prisão por fraude fiscal.
Sete meses depois, o STJ não admitiu novo recurso apresentado por Isaltino Morais, mas o presidente da câmara não foi imediatamente para a prisão. Até 24 de março de 2013, dia em que entrou na cadeia, foi apresentando sucessivos recursos, já não sobre os factos dados como provados, mas alegando que os crimes de fraude fiscal que lhe valeram a condenação tinham prescrito.
Procedimento labiríntico
A meio dos vários recursos de Isaltino Morais, Noronha Nascimento, à data presidente do STJ, aproveitou uma entrevista ao Diário Económico, publicada em novembro de 2011, para dar o processo que envolvia o autarca como um "case study" que "ilustra perfeitamente a natureza labiríntica do procedimento português". E não teve pejo em afirmar que a sentença de Isaltino Morais já devia ter sido executada. "Os procedimentos criminais e civis permitem isto [sucessivos recursos que mantiveram o autarca em liberdade] e precisam de ser completamente alterados", defendeu.
As palavras do também presidente do Conselho Superior de Magistratura motivaram queixas nos tribunais portugueses, primeiro, e no TEDH, depois. Alegou Isaltino Morais que os juízes que julgaram os seus pedidos de prescrição viram a sua imparcialidade comprometida pelas declarações de Noronha de Nascimento. Sustentou ainda que a "pressão institucional" determinou a ação dos tribunais e até que os magistrados tiveram receio de serem sujeitos a processo disciplinar caso lhe dessem razão. E salientou que o juiz do Tribunal de Oeiras que o condenou foi nomeado, em seguida, para assessor do STJ.
Decisões não foram influenciadas
Estes argumentos, contudo, não foram acolhidos pelos juízes europeus. Para estes, as declarações do presidente do STJ "não tiveram qualquer influência" na condenação do presidente de câmara. Tanto mais que Noronha Nascimento "não fez parte de nenhum dos painéis que decidiram o processo" de Isaltino Morais que, aliás, já tinha sido condenado aquando da publicação da entrevista.
A decisão do TEDH refere, igualmente, que os juízes "não tiveram receio real" de serem sujeitos a processos disciplinares e que a decisão assinada pelo juiz que foi nomeado assessor do STJ seria confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
"Todos os pedidos do requerente [Isaltino Morais] foram examinados em pormenor e todos os fundamentos por ele invocados foram examinados" resumiu o TEDH.
Entrevista censurada
Apesar de ter concluído que a entrevista não teve influência na condenação do autarca, o TEDH reconhece que Noronha Nascimento "devia ter sido mais contido nas suas declarações à imprensa, tendo em conta o facto de estarem em cursos processos relativos" a Isaltino Morais.
"É necessária a máxima descrição das autoridades judiciais", frisa o acórdão europeu, que refere ainda que os juízes, "mesmo em resposta a provocações", não devem dar respostas através da imprensa. "Isto é exigido pelos requisitos mais elevados da Justiça e pela grandeza da função judicial", frisou o TEDH.