O presidente da Câmara de Montalegre, Orlando Alves, e o vice-presidente, David Teixeira, que foram detidos na quinta-feira pela PJ, renunciaram ontem aos cargos, revelou o advogado Ricardo Sá Fernandes ao início na noite desta sexta-feira.
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Sá Fernandes, que defende o vice-presidente, também informou que "os arguidos irão todos prestar declarações", este sábado, no Juízo de Instrução Criminal do Porto.
O advogado alegou que a renúncia aos mandatos "não significa nenhuma assunção de responsabilidades". "O juiz não podia suspendê-lo de funções, os tribunais não podem suspender quem foi eleito politicamente. Não foi por recear ser suspenso ou exonerado que tomou esta atitude", explicou Sá Fernandes. "Estamos muito seguros de que esclareceremos tudo e que não era necessário isto. Não era necessário tê-lo exposto a toda esta situação".
Neste tipo de casos, a renúncia ao mandato pode evitar que o juiz de instrução invoque o perigo de continuação da atividade criminosa, que é um dos critérios de aplicação da medida de coação de prisão preventiva. Em 2019, por exemplo, o então presidente da Câmara de Santo Tirso, Joaquim Couto, foi detido, na "Operação Teia", e também renunciou logo ao mandato. A seguir, foi liberdade, mediante caução.
Sem surpresa no PSD
No plano político, a vereadora socialista Fátima Fernandes, numero três do Executivo de Montalegre, não contaria com as renúncias. "O Município tem presidente e vice-presidente e, portanto, está a funcionar com naturalidade", assegurava, ao JN, durante o dia.
O líder do PSD/Montalegre, José Moura Rodrigues, não se espantou com as detenções. "Não é uma surpresa para mim nem para a maioria das pessoas do concelho. Já houve problemas antes, e o PSD, enquanto oposição, tem falado sobre estas questões da contratação pública e do Departamento de Obras", lembrou.
Suspeita de concursos viciados
O presidente da autarquia e o vice-presidente, eleitos pelo PS, e ainda o chefe de gabinete da divisão de obras da autarquia foram quinta-feira detidos pela PJ, estando indiciados pelos crimes de associação criminosa, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documentos, abuso de poder e participação económica em negócio.
Em comunicado divulgado na quinta-feira, a Polícia Judiciária explicou que a investigação versa sobre "um volume global de procedimentos de contratação pública, no período de 2014 a 2022, suspeitos de viciação para benefício de determinados operadores económicos, num valor que ascende a 20 milhões de euros".
Na comunicação hoje à saída do TIC, onde os arguidos chegaram cerca das 17:00, o advogado assegurou ainda que estará em "condições de demonstrar que David Teixeira não se relacionou com nenhuma empresa dele, da família, ou de alguém em seu nome".
"E estamos muito seguros de que ele fará a demonstração de que não há nada a apontar do ponto de vista da legalidade e da ética relativamente ao seu comportamento como vereador", acrescentou.
Ricardo Sá Fernandes adiantou que ainda terá de acabar de consultar o processo, pelo que "o juiz concordou em finalizar amanhã [sábado] esta operação".
Em comunicado divulgado também na quinta-feira, o município do distrito de Vila Real disse que, no âmbito de uma investigação relacionada com processos de contratação pública, o edifício dos Paços do Concelho foi alvo de buscas por elementos da PJ, acompanhados por procuradores do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto.
"Esta ação vem no seguimento das buscas realizadas no ano de 2020, visando recolher todos os elementos de prova que possam esclarecer a investigação e instrução de um processo que teve início e origem em denúncias anónimas e no âmbito do qual o senhor presidente e o senhor vice-presidente já haviam sido constituídos arguidos", acrescentou.
Orlando Alves e David Teixeira assumiram os cargos na Câmara de Montalegre em 2013, estando a cumprir o terceiro mandato. Nas eleições autárquicas de 2021, em Montalegre, o PS obteve 51,17% dos votos e conquistou quatro mandatos e o PSD três mandatos (42,35%).
David Teixeira é ainda presidente da Comissão Política do Partido Socialista de Montalegre, tendo sido reeleito neste mês de outubro.
As detenções foram feitas no âmbito da operação "Alquimia", desencadeada pela Diretoria do Norte da PJ, em conjunto com o Departamento de Investigação Criminal de Vila Real, num inquérito titulado pelo Ministério Público -- DIAP Porto.
De acordo com o comunicado divulgado pela PJ, foram executadas dezenas de buscas, domiciliárias e não domiciliárias, que visaram os serviços de uma autarquia local e diversas empresas nos concelhos de Montalegre, Braga, Famalicão e Vila do Conde, tendo-se procedido à detenção dos três indivíduos.
Nesta operação, estiveram presentes magistrados judiciais e do Ministério Público e estiveram envolvidos investigadores da Diretoria do Norte e ainda dos Departamentos de Investigação Criminal de Vila Real e de Braga, bem como de peritos financeiros e informáticos de várias estruturas da Polícia Judiciária.
No decurso da operação policial foi apreendida documentação diversa relativa à prática dos factos e material informático com possível alcance probatório.
Os detidos vão ser presentes sexta-feira à tarde no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, para primeiro interrogatório judicial e aplicação de eventuais medidas de coação.
Em março deste ano, os dois autarcas foram absolvidos do crime de prevaricação pelo qual foram julgados no Tribunal de Vila Real, estando em causa a aquisição de um painel publicitário LED em 2015.