Teletrabalho com excesso de serviço terá provocado cansaço extremo. Autópsia à bebé é realizada no início desta semana. Desidratação estará na origem da morte.
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Um cansaço extremo, provocado pela intensidade do regime de teletrabalho que a absorvia, estará na origem do esquecimento que acabou com a morte da bebé de dois anos, deixada pela mãe durante sete horas num carro, na quinta-feira, no centro de Lisboa.
A criança só deverá ser autopsiada amanhã, mas de acordo com as primeiras observações das autoridades, tudo indica que morreu de falência multiorgânica, provocada por desidratação, devido ao calor.
A mulher, de 40 anos, funcionária na área dos seguros, estaria há várias semanas com uma sobrecarga de trabalho. Segundo informações recolhidas pelo JN, para quinta-feira tinha reuniões e serviços, em teletrabalho, marcados logo pela manhã. O marido, que também trabalhava no mesmo regime, levou o filho mais velho à escola. A mãe ficou de levar os dois mais novos. Entrou no Opel Zafira, colocou a bebé na cadeirinha e arrancou em direção à escola do filho do meio, onde o deixou.
Tinha pressa. O computador, as reuniões online e o teletrabalho já estavam à espera, no apartamento familiar da Avenida Miguel Bombarda. Esqueceu-se da filha de dois anos, que terá adormecido na confortável cadeirinha, no banco de trás da viatura. A mãe ficou convencida de que tinha cumprido a rotina diária, sem falhas.
vidros fechados
Estacionou o carro perto de casa e trancou-o com os vidros fechados. Subiu os andares do prédio para chegar ao apartamento e despachar o trabalho. Pouco passava das nove horas. O marido também já estava empenhado nos afazeres profissionais que a pandemia obriga, em muitos casos a serem cumpridos à distância, fora do normal ambiente de trabalho. Passou a hora de almoço e vieram mais serviços a exigir muita concentração. Foi já depois das 16 horas que a mulher se apercebeu de que, de manhã, não deixara a filha no externato.
Terá sido o estabelecimento de ensino - por sua iniciativa ou após ser contactado pela empregada que habitualmente ia buscar as crianças à escola - a informar a mulher de que a menina não ficara ali naquele dia. Os pais, que sempre foram bastante cuidadosos com os filhos - terão percebido imediatamente que a bebé só poderia estar no automóvel.
Deixaram o trabalho e desceram à rua a correr para procurar a filha no carro. Seguiram-se gritos de desespero de uns pais sobre quem se abateu a pior das tragédias: a morte de um filho bebé.
O pai ainda pegou na criança para a levar ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde a menina chegou já sem vida, adiantou ao JN fonte oficial daquela unidade de saúde. As equipas médicas efetuaram manobras de reanimação durante mais de meia hora, mas a desidratação já tinha provocado a falência de vários órgãos vitais da menina.
Passou pela creche da filha, mas não a deixou
No caminho para a escola do filho do meio, a mãe passou pelo Externato de Santa Maria do Mar (foto), onde deveria ter deixado a bebé.
Absorvida pelos pensamentos do trabalho, terá chegado a casa convencida de que deixara a criança no estabelecimento de ensino, que fica a escassos cinco minutos do apartamento da família.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, os pais foram sempre cuidadosos com o bem-estar dos filhos e zelosos com a sua educação.
Pormenores
Flores no carro - Diversos moradores e amigos da família enlutada deixaram flores junto ao carro, onde a bebé de dois anos morreu.
Ouvidos na PJ - Os pais, que ficaram em estado de choque e estiveram várias horas no hospital a receber apoio psicológico, devem ser ouvidos no início desta semana pela Polícia Judiciária. A mãe deverá ser constituída arguida.
Negligência - A mãe poderá vir a ser acusada de homicídio negligente, um crime punido com pena de até três anos de cadeia. Também poderá estar em causa um crime de exposição ou abandono.