A primeira mulher a liderar um Tribunal Supremo em Portugal criticou, esta quarta-feira, durante o seu discurso de tomada de posse, em Lisboa, o desequilíbrio que existe na relação entre as Finanças e o cidadão, o "elo mais fraco" da relação.
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"Os tribunais administrativos e fiscais são, por expressa determinação constitucional, órgãos de soberania com competência para administrar a Justiça em nome do povo, pelo que o povo, o cidadão, tem o direito de encontrar nestes tribunais estaduais a defesa dos seus direitos, liberdades e garantias relativamente à atuação do Estado no exercício da função administrativa e tributária. E tem o direito de a encontrar em tempo razoável e com exigível qualidade", afirmou Dulce Neto, desde esta tarde presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Para a juíza conselheira, "enquanto não for possível levar a cabo em tempo útil o controlo judicial da Administração Pública, designadamente da Autoridade Tributária, permanecerá como uma pura ficção legal um dos pilares estruturantes do Estado de Direito - como é a garantia constitucional dos cidadãos a uma tutela jurisdicional efetiva na área da justiça administrativa e fiscal".
Uma área, acrescentou, "na qual os cidadãos deveriam estar a sentir-se particularmente protegidos, tendo em conta que nas relações jurídicas administrativas eles se apresentam, em regra, como o elo mais fraco da relação".
Dulce Neto considerou, por isso, que se impõe que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) - que irá liderar por inerência ao cargo de presidente do STA - assuma "um papel e uma voz ativa de denúncia institucional dos estrangulamentos destes tribunais e de reivindicação de meios legais, materiais e humanos para o seu adequado funcionamento".
Entre outros aspetos, a magistrada apelou à criação de uma bolsa de juízes para estas instâncias e à afetação de assessores, dependente há uma década da publicação de um diploma.
Dulce Neto, 58 anos, natural de Coimbra, foi eleita pelos seus pares, maioritariamente homens, para a presidência do STA a 18 de setembro, após ter sido a única candidata ao lugar. Com esta eleição, tornou-se a primeira mulher a liderar um tribunal supremo em Portugal.
No seu discurso, lembrou que, embora o STA "continue a ser constituído maioritariamente por homens, há muito que cultiva e promove a participação feminina nos processos de tomada de decisão e de acesso ao poder".
Em 2011, a própria Dulce Neto tornara-se a primeira mulher a assumir a vice-presidência, também no STA, de um tribunal superior, tendo sido sucedida no cargo, em 2017, pela atual detentora do cargo, a juíza-conselheira Isabel Marques da Silva. O panorama é semelhante nos dois tribunais de segunda instância.
Atualmente, exercem funções nos tribunais administrativos e fiscais de primeira instância 128 juízas e 64 juízes, e, nos de segunda, 34 desembargadoras e 19 desembargadores. Já no STA, Dulce Neto conta com a companhia de sete conselheiras e 17 conselheiros.