Tradução do despacho para francês está a atrasar notificação de uma sociedade e dos seus acionistas suíços. Só depois começa a correr prazo para pedir abertura da instrução.
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Quase oito meses depois de, em julho, o Ministério Público (MP) ter acusado Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), e outros 24 suspeitos no inquérito principal à queda, em 2014, do Grupo Espírito Santo (GES), há ainda três arguidos, suíços, por notificar.
Até ontem à tarde, nem a sociedade Eurofin nem os seus dois acionistas - Alexandre Cadosch, de 57 anos, e Michel Creton, de 55 - tinham recebido o despacho, com mais de quatro mil páginas, traduzido para francês, tal como fora determinado pelos procuradores ao encerrar o inquérito, apurou o JN. Só quando tal ocorrer, começará a contar o prazo de 50 dias dado pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, para todos os arguidos pedirem a abertura de instrução, a etapa seguinte do processo.
A fase, facultativa e liderada por um juiz de instrução, visa apurar se existem indícios suficientes para o processo seguir para julgamento e, se sim, em que termos. A expectativa é de que haja vários arguidos, incluindo Salgado, a querer anular desde já a acusação do MP.
"Delapidou" BES
O antigo banqueiro, de 76 anos, responde por 65 crimes: 29 de burla qualificada, 12 de corrupção ativa no setor privado, nove de falsificação de documento, sete de branqueamento, cinco de infidelidade, dois de manipulação de mercado e um de associação criminosa. Entre os restantes arguidos, estão mais três ex-administradores do BES - incluindo outros dois elementos da família Espírito Santo -, antigos dirigentes da instituição e sete entidades coletivas ligadas ao GES, entre as quais a helvética Eurofin.
O MP acredita que Salgado terá, entre outras ações, usado esta última para, mediante um esquema fraudulento de emissão e venda de obrigações, "delapidar o património do BES para satisfazer os seus interesses pessoais". Cadosch, acusado de 18 crimes económico-financeiros, e Creton, suspeito de 17, seriam os testas de ferro do antigo banqueiro na Eurofin. Já esta última, sediada na Suíça, está indiciada de 15 ilícitos, nomeadamente burla qualificada e branqueamento de capitais.
Processo sem tradução
Embora Cadosch, Creton e a Eurofin sejam representados no processo por uma sociedade de advogados portuguesa, os sete procuradores que assinam o despacho de encerramento do inquérito determinaram, a 14 de julho de 2020, que a acusação fosse traduzida antes de os arguidos de nacionalidade suíça serem notificados, pelo MP, dos factos de que são suspeitos. A defesa queria que não ficasse por aí.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, o mandatário de Cadosch, Creton e Eurofin requereu, entretanto, que a restante documentação do processo - com dezenas de milhares de páginas - fosse também traduzida para francês, mas o pedido não foi aceite.
Salgado não desiste de ter um ano e dois meses para contestar
O juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, negou a pretensão dos advogados de Ricardo Salgado de terem um ano e dois meses para requererem a instrução. Invocando a complexidade do processo, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce não se conformaram e recorreram para a Relação de Lisboa, que ainda não se pronunciou. Já os defensores de outros arguidos pediram uma extensão menor do prazo de 50 dias dado por Alexandre, ou, em alternativa, que o mesmo só comece a contar a partir do momento em que forem disponibilizados todos os elementos do processo. A investigação do MP, a cargo pelo Departamento Central de Ação e Investigação Penal, durou seis anos. Em julho, Salgado alegou, através dos seus advogados, que não praticou qualquer crime e defendeu que a acusação ""falsifica" a história" do BES.
Outros casos
BPN foi o primeiro
O julgamento do processo principal do BPN, com 23 arguidos, começou em 2010, dois anos após a falência do banco. O acórdão foi proferido em maio de 2017. O ex-presidente do banco José de Oliveira e Costa foi condenado a prisão, mas morreu há um ano, aos 84 anos, sem começar a cumprir pena: corriam (e correm) recursos nos tribunais.
BPP não terminou
João Rendeiro, ex-líder do BPP, foi condenado a prisão em 2018, por ter omitido, entre 2002 e 2008, a real situação financeira do banco, dissolvido em 2010. O processo, com mais quatro arguidos, está no Tribunal Constitucional.