A advogada de Carlos Santos Silva defendeu, na sexta sessão do debate instrutório da Operação Marquês, que a prova recolhida pelo Ministério Público (MP) contra o amigo e alegado testa de ferro do ex-primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011) é "manifestamente ilegal".
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Durante duas horas, Paula Lourenço atacou a legalidade do processo administrativo que deu origem ao inquérito, acusou os procuradores de terem recorrido à "delação premiada" - um mecanismo que não existe no ordenamento jurídico nacional - para incriminar Santos Silva e Sócrates e garantiu, até, que o seu cliente recusou, em 2015, um "acordo manhoso" com o MP para denunciar o ex-governante. No final, pediu que o empresário seja ilibado.
Santos Silva está acusado, no total, de 33 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal, 29 dos quais em coautoria com o ex-primeiro-ministro. Para o MP, seria nas contas de Santos Silva que Sócrates guardaria a sua fortuna, alegadamente obtida de forma ilícita, para assim esconder que era o seu real proprietário. Os montantes regressariam depois à esfera do antigo governante com recurso a diversos esquemas. Entre estes está a compra, por Santos Silva, de três casas detidas pela mãe do ex-primeiro-ministro em Lisboa e no concelho de Sintra.
"Métodos ocultos"
Os factos são negados, na totalidade, pelos dois arguidos, mas, como é público desde 2014, foi precisamente uma denúncia bancária referente a estes negócios imobiliários a estar na génese do Marquês.
Num primeiro momento, o caso até foi arquivado pelo MP. O procurador Rosário Teixeira acabaria, porém, por rever o seu entendimento, após considerar suspeita a passagem de 20 milhões de euros, entre 2009 e 2012, pelas contas de Santos Silva. A investigação decorreu ao abrigo da lei de prevenção de branqueamento e culminou, ao fim de 15 meses, num inquérito-crime. É este procedimento, com a colaboração das Finanças de Braga, que Lourenço contesta.
"O que se está a fazer com aquele processo administrativo é criar um elemento salvífico que pudesse dar uma qualquer legitimidade para se abrir um processo-crime", sustentou, ontem, a advogada, garantindo que desde 2005 que o empresário "tinha as contas controladas". "Os processos administrativos são uma forma de investigação de cidadãos através de métodos ocultos", apontou.
A causídica afirmou ainda que, uma vez reunidos os movimentos financeiros, faltava a "narrativa" que permitisse acusar - algo conseguido através da "delação premiada" do empresário Helder Bataglia, igualmente arguido.
Lourenço recuperou, de resto, a denúncia - entretanto arquivada - de que, antes, já Santos Silva fora pressionado para dizer que os milhões na Suíça eram de Sócrates.v
Acusações negadas
A 5 de março, o procurador Rosário Teixeira defendera que os processos administrativos são legais. Em 2017, o advogado de Hélder Bataglia, Rui Patrício, recusara já a existência de qualquer "delação premiada".
Três meses depois
A advogada de Santos Silva foi a primeira a alegar na retoma do debate instrutório, suspenso desde 11 de março devido à covid-19. Pedro Delille, advogado de Sócrates, pediu para ser o último.
Antes da decisão
Esta é última etapa antes de o juiz Ivo Rosa revelar se o processo, com 28 arguidos, segue para julgamento. O debate prossegue amanhã.