Paulo Pinto de Albuquerque atribui um "significado muito importante" à <a href="https://www.jn.pt/justica/italia-homenageou-o-juiz-portugues-dos-direitos-humanos-13532798.html" target="_blank">homenagem de que foi alvo</a>. Não só porque ela representa o reconhecimento do trabalho efetuado ao longo de nove anos, mas também pela importância que esta tem para a Justiça portuguesa. Ao JN, recorda o tempo em que divisão portuguesa no TEDH não tinha meios suficientes para responder aos anseios dos portugueses, o que impediu que fosse feito mais e melhor justiça.
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Foi homenageado com um livro organizado pelas Universidades de Milão e Florença e no qual participam várias personalidades jurídicas. Que significado tem esta iniciativa para si?
Esta homenagem tem um significado muito importante. Não só para mim, mas para a Justiça portuguesa. Eu fui juiz no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 2011 a 2020 e o mérito do trabalho desenvolvido durante o meu mandato foi agora reconhecido por este grupo de brilhantes constitucionalistas e penalistas italianos. O livro tem na capa uma ponte, porque sempre entendi que a justiça internacional, tal como a justiça constitucional, deve construir pontes entre as pessoas e as comunidades e não as apartar umas das outras e foi com esse espírito que desempenhei as minhas funções em Estrasburgo. Foi esse espírito e esse desempenho que os magistrados e universitários italianos quiseram destacar.
E qual é o papel de Itália na sua vida, na sua formação e no profissional que é hoje?
A Itália teve um papel fundamental na minha formação como jurista e na preparação das minhas provas académicas de doutoramento e agregação. Colaboro com várias universidades italianas desde há mais de quinze anos, sobretudo em matérias relativas ao combate à corrupção e ao crime organizado. Dou um curso de direitos humanos na Universidade de Florença. Também sou frequentemente chamado para ações de formação de juízes e procuradores italianos, nomeadamente na Corte de Cassação italiana. Nunca me esqueço da primeira vez que fui à Sicília: os colegas levaram-me ao local onde foi assassinado o juiz Giovanni Falcone. Foi um momento que me marcou muito.
Davide Galliani garante que nunca nenhum juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos assinou fundamentações de decisões tão profundas, rigorosas e extensas. Esta é uma marca que fez questão de deixar no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos?
Essa é, com efeito, uma marca fundamental do meu trabalho. Estou convencido de que o juiz tem a obrigação de fundamentar com clareza e precisão as suas opiniões, de modo a convencer as partes e a comunidade em geral. O poder judicial tem de prestar contas pelas suas decisões e o modo de o fazer numa democracia é precisamente por via da fundamentação dessas decisões.
Quais foram os momentos mais difíceis vividos nos nove anos que passou no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos?
Os momentos mais difíceis foram os tempos em que a divisão portuguesa teve de trabalhar com apenas um jurista júnior. As queixas vindas de Portugal não tinham andamento, porque a divisão portuguesa não tinha juristas suficientes para as processar. Eu queria dar resposta às queixas dos meus compatriotas e não podia, porque não tinha os meios humanos para o efeito. Chegou a ser-me proposto que a divisão portuguesa fosse absorvida pela divisão espanhola, mas recusei esta proposta, por razões óbvias. Sugeri então às autoridades portuguesas para que destacassem um ou dois juristas para Estrasburgo, porque o tribunal não tinha meios financeiros para responder ao problema da divisão portuguesa. Mas não tive sucesso. Infelizmente esta situação durou demasiado tempo. Sinto que poderia ter feito muito mais em benefício do Povo português se tivesse tido os meios humanos de que precisava.
E quais foram as principais gratificações?
Foram duas. A principal gratificação foi ter recebido a medalha de honra da Ordem dos advogados portugueses. Fico muito honrado pelo facto de os Advogados portugueses terem considerado importante o meu trabalho como juiz no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, sobretudo pela defesa dos direitos das mulheres e pela proteção dos direitos dos trabalhadores. É que a voz dos advogados é a voz das vítimas e, por isso, esta medalha significa que o meu trabalho foi importante para as vítimas de abusos dos direitos humanos.
A segunda principal gratificação recebi-a no Reino Unido. A prestigiada Universidade de Edge Hill concedeu-me um doutoramento honoris causa, pelo meu contributo para o desenvolvimento do direito internacional e para a defesa dos direitos humanos das classes mais desfavorecidas.
A criação de um grupo de especialistas em Direito Penal e os contactos com juristas, professores e alunos de toda a Europa incluem-se entre os momentos mais importantes?
Sim. A maior parte dos casos do Tribunal Europeu diz respeito a processos penais, mas o Tribunal não tinha um grupo de especialistas em direito penal. Eu fundei esse grupo, cujo trabalho fundamental foi o de procurar uniformizar os critérios de decisão do Tribunal de maneira a alcançar mais segurança jurídica e mais igualdade na aplicação do direito. Também fui eleito presidente do mais importante Grupo de Trabalho do Tribunal, que é responsável pela revisão do Regulamento do Tribunal. Nessa qualidade preparei uma reforma de fundo do Regulamento, que está em curso. Também fui nomeado por quatro presidentes consecutivos do Tribunal Europeu como responsável pela rede de contactos com os Tribunais Constitucionais e Supremos de fora da Europa, uma espécie de ministro dos negócios estrangeiros do Tribunal, tendo organizado múltiplas iniciativas para aproximar estes tribunais. No exercício desse cargo dei particular atenção aos Tribunais dos países de língua oficial portuguesa.
Como foi o regresso a Portugal e à Universidade Católica?
O regresso a Portugal foi muito desejado. Estive nove anos longe da minha mulher e dos meus três filhos, dos meus pais e dos meus amigos. Foi um enorme sacrifício pessoal e familiar. Os meus filhos tinham entre 9 e 16 anos quando fui para Estrasburgo e cresceram longe do pai. A minha mulher suportou, com uma enorme dedicação à família, o custo desta minha opção profissional, educando os nossos filhos praticamente sozinha. Todas as palavras são poucas para exprimir o que senti quando voltei definitivamente a casa.
Quanto à Universidade Católica, foi um regresso natural. Regressei à Universidade onde me doutorei e fiz as minhas provas de agregação. Sou professor catedrático de direito penal e direitos humanos nesta Universidade que sirvo com muito gosto.
Poderemos voltar a ver Paulo Pinto de Albuquerque como juiz?
Exerço as funções académicas e de jurisconsulto com toda a dedicação. Sinto-me feliz com o que faço.
Como é que vê o estado atual da Justiça portuguesa?
Os magistrados e advogados portugueses têm feito um esforço considerável para melhorar a qualidade da prestação do sistema de justiça. Dou um exemplo. É dada uma atenção crescente à jurisprudência constitucional e do Tribunal Europeu. A matéria de direitos fundamentais e de direitos humanos é cada vez mais debatida nos tribunais em todas as instâncias. Aliás, quer como juiz, quer como professor universitário sempre procurei promover o conhecimento e a aplicação prática da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu.
Poderemos esperar um livro de memórias com o título "Why not", como sugere Davide Galliani?
A ideia do livro de memórias e esse título foram sugeridos pelo professor Davide Galliani, constitucionalista da Universidade de Milão. No entendimento dele, esse título refletiria bem o meu combate pela justiça. Talvez um dia. Estou em crer que haverá algumas memórias interessantes para transmitir aos mais jovens.