O sistema judicial não sustenta em critérios científicos a decisão de obrigar um agressor em contexto de violência doméstica a frequentar um programa de reabilitação. O desemprego é fator decisivo para que os arguidos sejam encaminhados por magistrados para reabilitação. Mais do que, por exemplo, a existência de antecedentes por violência.
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Já o consumo de drogas é "variante determinante" para que o agressor não seja forçado a frequentar os programas VIDA e Contigo, geridos pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). As conclusões estão expressas na tese de doutoramento de Paulo Pinto, militar da GNR que, durante 16 anos, liderou o Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas do Porto.
O estudo, agora finalizado, baseou-se em 7900 casos de violência doméstica, mais de 6300 envolvendo relações na intimidade, que, entre 2010 e 2013, passaram pelo Comando do Porto da GNR, Procuradoria-Geral Distrital do Porto e a delegação do Norte da DGRSP.
Na tese do doutoramento efetuado na Faculdade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela, na Galiza, e orientada por Teresa Magalhães, professora catedrática da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, os casos dos 283 arguidos que beneficiaram de suspensão provisória de processo, foram reanalisados entre 2014 e 2017 e, no final, percebeu-se que os magistrados sustentam a decisão de sujeitar os arguidos a um programa de reabilitação em critérios pessoais e não científicos.
Lista de parâmetros
Paulo Pinto concluiu, aliás, que o desemprego, presente em 199 dos casos, contrariamente, por exemplo, ao historial de violência, é "variante determinante" para a justiça obrigar o agressor a ir para programas de reabilitação, perfazendo 40% dos casos. Por outro lado, todos os consumidores de drogas ficam de fora. "Primeiro, têm que frequentar programas de desintoxicação", explica.
Estas conclusões levaram o investigador da Universidade de Santiago de Compostela a defender que "a criação de uma checklist [lista de parâmetros] baseada em critérios científicos seria útil para suportar a decisão dos procuradores em sujeitar o agressor à reabilitação social" e incluir mais agressores em programas que, lê-se na tese, "são uma estratégia viável para reduzir a reincidência e proteger as vítimas".
"Esta medida mostrou resultados promissores em comparação com penas de cadeias, embora mais evidências sejam necessárias", frisa o estudo.
Paulo Pinto constatou ainda que a violência doméstica diminui após o primeiro contacto do agressor com o sistema de justiça. "Apenas 15.5% dos agressores [registados pelo sistema de justiça] voltam a ser identificados", conclui, ressalvando, no entanto, que estes reincidentes revelam-se muito violentos e são responsáveis pela maioria dos casos de violência doméstica registados.
Suspensão é benéfica
Por outro lado, "as mulheres que sofrem agressões mais graves no primeiro episódio de violência são as que sofrem taxas mais altas de reabuso". "Este facto pode permitir a sinalização, de imediato, das vítimas que serão alvo de novas agressões e, consequentemente, pode permitir respostas preventivas mais eficazes", considera Paulo Pinto.
A investigação destaca, igualmente, que "16,2% dos casos sujeitos a suspensão provisória de processo reentraram no sistema judicial" no período máximo de oito anos. Mas também diz que esta medida judicial que, com o acordo de vítima e agressor, suspende temporariamente o processo judicial, mostrou "potencial para prevenir violência doméstica.
"A medida é aplicada em poucos casos e o critério para a sua aplicação não é óbvio. A suspensão provisória de processo devia ser percebida como um instrumento importante do sistema judicial para responder à violência doméstica", frisa o investigador.
Programas para condenados e arguidos dentro e fora da prisão
Atualmente, há três programas destinados a agressores de violência doméstica. Um é denominado VIDA, destina-se a reclusos, está implementado em dez cadeias e, desde 2018, abrangeu 347 pessoas. Os outros dois funcionam fora da prisão. Em 2021, foram frequentados por mais de 2500 arguidos e/ou condenados.
Os dados enviados pela DGRSP ao JN mostram que, desde 2014, o Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD) e o Programa Contigo, dirigido a agressores conjugais, foram frequentados, em média, por 1748 arguidos/condenados por ano.
"Estes programas provocam mudanças significativamente positivas nos comportamentos relacionados com o cometimento de crimes dos adultos e jovens que o frequentam e apresentam resultados na diminuição do risco de violência, entre outros ganhos significativos", destaca a Direção geral, com base em estudos académicos.
Noção das consequências
O Programa de Intervenção com Agressores de Violência Doméstica-VIDA tem "como objetivo fundamental consciencializar o agressor das responsabilidades e consequências dos seus comportamentos" e decorre ao longo de 45 sessões. Nestas, o recluso participa em atividades educativas que incluem encenações de eventos, e intervenção psicoterapêutica.
Já o PAVD tem a duração mínima de 18 meses, é ministrado fora da prisão e dirigido a condenados com penas suspensas, beneficiários da suspensão provisória do processo ou a presos domiciliários, desenrolando-se em três fases. Este programa recorre a técnicas motivacionais em 20 sessões de intervenção grupal e a um acompanhamento individual, na fase final.