Luís foi morto por Bruna. Violência doméstica é desvalorizada se agressor for mulher
Família, amigos e colegas de trabalho de rapaz assassinado pela namorada não denunciaram agressões. Especialistas alegam que caso é paradigmático.
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Luís Rodrigues, de 21 anos, foi agredido, perseguido e humilhado pela namorada, Bruna Gonçalves, da mesma idade. A família e os colegas de trabalho sabiam que aquele era vítima de violência doméstica, mas pouco ou nada fizeram e o jovem foi assassinado, em outubro de 2017, por Bruna na casa de Fafe em que ambos viviam.
Para a Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios em Violência Doméstica este crime demonstra que "o facto de ser o elemento do sexo feminino aquele cujo comportamento era claramente abusivo e de controlo poderá ter contribuído para a sua relativização e perceção como aceitável". O comportamento da rapariga, destaca o relatório tornado público este mês, não foi "entendido como de risco para um cenário de vitimização mais severa ou mesmo de homicídio, como acabou por suceder".
"É bem evidente neste caso a desvalorização, na rede familiar e social, da violência psicológica que B [Bruna Gonçalves] exercia sobre A [Luís Rodrigues], o que ocorre sobretudo quando é perpetrada por uma mulher. Mesmo tendo conhecimento e assistido a manifestações inequívocas de controlo, violação da privacidade, ciúme e abuso emocional, o que sempre prevaleceu foi o discurso desculpabilizador tendo por base a romantização do ciúme e até mesmo a sua valorização como expressão de afeto", lê-se no documento.
Bruna e Luís iniciaram o namoro em março de 2016 e em outubro foram viver para a mesma casa. A partir daí, a rapariga começou a vigiar as redes sociais e o telemóvel do namorado e tentava impedir que este se encontrasse com familiares e amigos. Sempre movida por ciúmes, telefonava e enviava mensagens para o namorado quando este trabalhava e se Luís não respondia pedia a um seu colega para o chamar. Pelo menos uma vez por semana, durante um ano, a jovem também se deslocava, à hora de almoço, à empresa onde Luís laborava para lhe controlar os movimentos.
Este comportamento obsessivo originou muitas discussões e numa delas Bruna esfaqueou Luís no pescoço. A vítima morreu na sequência dos ferimentos sofridos e Bruna cumpre uma pena de 14 anos de prisão por homicídio e violência doméstica.
Crenças sociais
Para a EARHVD "existe demasiadas vezes, ora a desvalorização, ora a contemporização" de relações abusivas se o agressor é uma mulher. Esta atitude de vítimas, familiares e amigos assenta em "crenças socialmente construídas que maquilham a verdadeira natureza" da relação.
Mãe enganada
A mãe de Luís justificava a conflituosidade do casal com a "imaturidade relacional de ambos" e só após a morte do filho é que percebeu que Bruna "era extremamente manipuladora" e dona de "um discurso de vitimização" que, assumiu, a "enganou muitas vezes".