Uma rede de 79 indivíduos vai ser julgada por, ao longo de mais de cinco anos, ter lesado oito seguradoras em mais de 1,5 milhões de euros com falsos acidentes no Ribatejo e na Grande Lisboa.
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Alguns dos carros sinistrados terão sido usados em várias encenações, "resolvidas" com declarações amigáveis e, por vezes, até com a presença da polícia no local. Por ano, os peritos de seguros estimam que as seguradoras do ramo automóvel perdem 250 milhões em fraudes (ler página ao lado).
Burladas neste caso foram a Victoria Seguros, GNB, Caravela, Liberty, Seguradoras Unidas, Lusitânia, Via Direta e a Fidelidade, que exigem ser indemnizadas.
De acordo com a acusação do Ministério Público (MP), os mentores do esquema terão sido uma dezena de homens ligados a oficinas e que, ocasionalmente, foram auxiliados pelos restantes arguidos na simulação de acidentes à noite, em locais mal iluminados. Dentro daquele núcleo duro, seis compraram, através de duas sociedades de Benavente, automóveis em segunda mão ou de recuperação inviável (em salvado), enquanto os restantes optaram por, com recurso a crédito, adquirir veículos novos através de um outro grupo sediado em Loures e em Odivelas.
Os veículos seriam, de seguida, registados no nome de familiares ou colaboradores seus, sempre com seguro contra danos próprios e, pouco tempo depois, utilizados em acidentes encenados. Ao todo, constam da acusação 54 situações, na sua maioria choques propositados contra carros parados na estrada, sem ninguém no interior. Há ainda registo de despistes contra postes e, até, de queda por uma ribanceira. Em nenhum houve feridos, já que todos os condutores seriam cúmplices da encenação, protegendo-se de perigos.
Lucros a dividir
Segundo o MP, após a participação do sinistro às seguradoras - sempre com declarações amigáveis que corroboravam a história contada pelos intervenientes nos "teatros" -, os carros eram deixados nas oficinas que integravam o esquema, onde o valor da reparação era calculado por excesso. Nos casos aparentemente mais graves, a intervenção nunca chegou a ser feita, apesar de as seguradoras pagarem para tal. O lucro surgia apenas quando o carro era considerado irrecuperável e a perda total era compensada. O montante seria então distribuído por todos os intervenientes.
No total, as seguradoras foram levadas a pagar, entre abril de 2004 e outubro de 2009, mais de 1,5 milhões de euros.
O caso só agora chega a tribunal. O julgamento começa a 5 de dezembro, no Tribunal de Monsanto, Lisboa, e os arguidos estão acusados de burla relativa a seguros e falsificação de documentos. O mais velho tem hoje 85 anos.
Pormenores
Cenário detalhado
De modo a tornar credível a história, os burlões chegaram a efetuar uma travagem, numa das ocasiões, apenas para deixar as marcas no asfalto. O "acidente" rendeu mais de 37 mil euros.
Peças reutilizadas
Em pelo menos uma das situações, um dos carros "sinistrados" foi, dado o seu estado, deixado no local por um reboque. Noutros acidentes, os veículos tinham no seu interior peças danificadas em sinistros anteriores.
Embarcação envolvida
Em fevereiro de 2008, um dos arguidos recebeu 7705 euros por uma embarcação danificada num acidente. Estava em cima de um reboque atingido, propositadamente, por outro carro.