Consultor informático acusado de 29 crimes de pornografia de menores confessou tudo em julgamento, mas foi ilibado por causa de busca ilegal no seu computador de trabalho.
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O Tribunal da Relação de Lisboa mandou condenar um homem que, apesar de ter confessado a prática de 29 crimes de pornografia de menores, tinha sido absolvido, em primeira instância, de todos os ilícitos que lhe eram imputados pelo Ministério Público (MP). O Tribunal Local Criminal de Lisboa sustentara que, ao confirmar provas retiradas ilicitamente do seu computador de trabalho, o arguido só admitiu "os factos que não tinha como não confessar". Os juízes desembargadores discordam e, agora, decidiram validar a confissão, considerando-a suficiente para dar todos os factos da acusação como provados. O julgamento vai ser parcialmente repetido para determinação da pena a aplicar.
O caso remonta a agosto de 2014, quando uma empresa da área de tecnologia, com instalações em Lisboa, constatou que "existia uma ocupação anormal da largura de banda" da sua rede. Segundo o acórdão, terá, então, aproveitado a ausência de um consultor sénior do posto de trabalho para, "sem o seu conhecimento e/ou autorização", aceder ao computador que lhe fora atribuído para fins profissionais. No seu interior, encontraram aplicações que omitem os registos das suas comunicações e, alegadamente, 873 ficheiros de registos de conversações, com designações "relacionadas com abusos sexuais de crianças".
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Partilhou fotografias
De acordo com os factos agora dados como provados pelo TRL, o arguido, que foi despedido com justa causa, terá partilhado, em quatro conversações online, 20 imagens de menores em poses ou atos sexuais. Não é claro se os seus interlocutores eram mesmo menores ou se apenas diziam ter essa idade. Outras sete fotografias com conteúdo semelhante estariam armazenadas no computador. Já no seu aparelho pessoal, apreendido em buscas à sua casa, na Grande Lisboa, foram descobertos dois vídeos de meninas com menos de 16 anos a despirem-se e a exibirem-se para a câmara.
Durante o julgamento, o suspeito acabou por confessar os factos "de forma livre, integral e sem reservas", respondendo afirmativamente quando lhe foi perguntado pela juíza "se o fazia livre de qualquer coação". Só que, na sentença proferida em janeiro, a magistrada entendeu que, na realidade, não foi isso que aconteceu.
No documento, citado no acórdão do TRL, a juíza lembra que o arguido "admitiu os factos nos exatos termos" da análise pericial aos seus computadores, feita, primeiro, pela entidade patronal sem a sua permissão e, depois, pelas autoridades policiais sem a autorização de um juiz de instrução. "Não fora aquela intromissão proibida nos dados do arguido e, podemos dizê-lo, não teria sequer sido constituído arguido ou sequer identificada a sua autoria nos factos", argumenta.
Concluiu, por isso, pela absolvição do consultor, alegando, com base em legislação e jurisprudência diversas, que nem a prova pericial nem a sua confissão são válidas. Os juízes desembargadores contrapõem, contudo, que "não resulta da ata, nem da decisão recorrida, que o arguido tenha afirmado que só confessou porque foi confrontado com a restante prova, e, portanto, não podia o tribunal concluir que essa confissão estava contaminada pela nulidade da restante prova". Sobre se esta é mesmo proibida ou não, não se pronuncia.
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Novo "julgamento parcial" para decidir pena
O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu reenviar o processo para "novo julgamento parcial", para que seja apurada a "condição socioeconómica" do arguido, considerando esta "um elemento importante para a determinação da medida da pena". O Tribunal Local Criminal de Lisboa terá então de decidir, "em conformidade", a condenação a aplicar ao arguido. Dos 29 crimes de pornografia de menores por que responde, 20 são agravados, por terem sido praticados na presença de menores de 16 anos.
Posse e partilha
O crime de pornografia de menores inclui a posse, a distribuição e a facilitação do acesso a material de imagens ou espetáculos pornográficos de menores.
Pode dar prisão
O crime é punível com pena de até dois anos de prisão. Dos 29 crimes, 20 podem ter a pena agravada em um terço, por terem sido praticados na presença de menores de 16 anos.
Cúmulo jurídico
Mesmo que seja condenado pelos 29 crimes, a medida da pena não resultará da simples soma da pena de cada um dos ilícitos, uma vez que existe uma forma de cálculo específica. É o chamado cúmulo jurídico.