Relação manda julgar outra vez caso de crianças retiradas à mãe pela Segurança Social
O Tribunal da Relação de Lisboa mandou repetir o julgamento das duas técnicas da Segurança Social acusadas de, em 2015, terem mentido com o objetivo de retirar três filhas à mãe, Ana Maximiano. A decisão surge após recursos tanto do Ministério Público como das duas mulheres condenadas.
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No acórdão de 6 de fevereiro, os juízes desembargadores sustentam que a decisão do Tribunal de Cascais - que condenou a 24 de maio do ano passado as duas técnicas a penas de prisão de quatro anos e quatro anos e meio, suspensas por iguais períodos -, "apesar de aparentemente fundamentada", é "lacunosa quanto a factos (sobretudo de contexto) de grande relevância".
"Só após essa ponderação e fixação da matéria de facto (...) estará o tribunal em condições de chegar, ou não, à mesma conclusão a que chegou, isto é, de terem as arguidas agido de forma livre, consciente e deliberada ao elaborarem o referido ofício e ao requererem a aplicação de medida urgente de retirada das crianças à mãe, sabendo que os factos invocados eram falsos, visando fazer crer ao tribunal que as crianças corriam perigo sério e obter essa retirada por mecanismos legais que sabiam desajustados, visando causar sofrimento à mãe", salientaram.
Na decisão, a que o JN teve acesso, os juízes desembargadores Sandra Ferreira, Ana Cláudia Nogueira e João Ferreira argumentam que as "insuficiências apontadas atingem matéria de importância essencial para o desfecho da causa", pelo que é inevitável reenviar o processo todo para novo julgamento. "Entendemos que o reenvio deverá ser total, pois só assim se garantirá a quem for efetuar o julgamento a ampla liberdade de apreciação da totalidade da prova", concluíram.
"Num processo em que o Ministério Público tudo fez para absolver as arguidas em defesa do interesse financeiro do estado, o Tribunal da Relação nao teve coragem de condenar nem absolver, empurrando com a barriga à espera que o processo prescreva. Vamos, como é evidente, apresentar uma exposição ao Tribunal Europeu para que se saiba fora o que se passa cá dentro", reagiu Gameiro Fernandes, advogado de Ana Maximiano.
Falsidade de depoimento e denegação de justiça
O caso remonta a 7 de dezembro de 2015, quando a mãe, Ana Maximiano, deixou a filha M. na escola e foi a um café, a 100 metros, com a filha B.. Aqui, soou o alarme do dispositivo de que era portadora para evitar a aproximação do pai das crianças, suspeito de violência doméstica. Ana Maximiano solicitou a uma amiga ali presente que tomasse conta de B., enquanto ia à escola, onde se opôs a que o ex-companheiro, pai de M., a levasse consigo.
O assistente social da escola contactou uma das arguidas, que lhe ordenou que entregasse M. ao pai. "Depois desta não as voltas a ver", "o pai é um criminoso e por isso as filhas não podem estar com ele", "se a leva nunca mais a vejo", afirmou Ana, exaltada e já perante a PSP.
O dono do café também apareceu, dizendo que B. estava com sono e que a amiga a levaria para casa. Mas Ana voltou para junto de B.. Depois disto, as arguidas relataram que B. tinha sido deixada sozinha no café e que havia perigo de subtração das menores, propondo a sua retirada imediata à mãe, o que foi ordenado por uma juíza no mesmo dia.
O Tribunal de Cascais concluiu que "as arguidas sabiam que a mãe não verbalizou uma verdadeira intenção de desaparecer com as crianças". "Ao elaborarem o referido ofício e ao requererem a aplicação de medida urgente de retirada das crianças à mãe, sabendo que os factos invocados eram falsos, visaram fazer crer ao tribunal que as crianças corriam perigo sério e obter essa retirada por mecanismos legais que sabiam desajustados", sustentou, concluindo que o grau de culpa é "elevado".
A sentença do Tribunal de Cascais diz que as arguidas cometeram crimes de falsidade de depoimento e denegação de justiça. Ficam proibidas de exercer funções relacionadas com crianças e têm de indemnizar, solidariamente com o Instituto da Segurança Social, a mãe e as filhas em 118.600 euros. "Atuaram na modalidade mais grave de dolo (dolo direto)". M. e B. voltaram a casa da mãe em 2021. A terceira filha de Ana, mais velha, voltara dois anos antes.