Esteve fugida em Inglaterra e aos 56 anos quis vir para perto da família. Tribunal de Execução de Penas rejeitou liberdade condicional, mas desembargadores do Porto soltaram-na.
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Em dezembro de 2003, uma reclusa de 40 anos beneficiou de uma saída precária. Já tinha cumprido três anos e dois meses de prisão de uma pena de seis anos por tráfico de droga. Foi passar o Natal com a filha, mas não regressou na data prevista. Fugiu para Espanha e depois para Inglaterra onde esteve a trabalhar até ao ano passado. No fim, as saudades da família pesaram mais do que a liberdade.
Em fevereiro de 2019, 15 anos depois de ter escapado, a mulher regressou a Portugal e apresentou-se no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, para cumprir o resto da pena. Contumaz desde 2004, disse que tinha perdido uma vida inteira por causa do erro que cometera. Com 56 anos, estava farta de não poder estar junto da família. E explicou que só não voltara da precária para poder ajudar financeiramente a filha - que, em 2003, ficara desempregada com uma recém-nascida nos braços.
Após cumprir dois terços da pena, a reclusa requereu liberdade condicional em novembro do ano passado. Porém, o Tribunal de Execução das Penas (TEP) do Porto negou o pedido considerando que persistiam, "de uma forma inultrapassável, as necessidades de prevenção especial". A reclusa recorreu para o Tribunal da Relação do Porto.
Mudança de vida
O recurso frisava que a mulher cometera o crime porque era dependente de cocaína e heroína, vícios que abandonou definitivamente em 2000. Aquando do crime tinha 34 anos. Desde então, passar-se-iam 22 anos sem que cometesse qualquer ilícito. Pelo contrário. Trabalhou em cafés, restaurantes e até explorou um negócio próprio. "Este tempo foi aproveitado pela reclusa para a sua devida reinserção social e demarcação de modo de vida anterior", garantia a defesa.
Recuando até 2003, o recurso lembrava que a reclusa não regressara à cadeia para assim poder ajudar a descendente que tinha ficado sem emprego. "Sabia que era errado mas, na altura, para si o mais importante era ajudar a filha", justificou. Em 2019, acabou por se entregar voluntariamente para cumprir o resto da pena. Hoje reconhece que perdeu uma vida inteira por ter interrompido o cumprimento da pena e está arrependida de ter praticado o crime.
Acolhida pela filha
Nas alegações para a Relação do Porto, salientava-se que no seu registo prisional não consta qualquer infração disciplinar, que trabalha na oficina e está inscrita na escola e no ginásio. Mais: quando for libertada, a filha, hoje com 35 anos, já se comprometeu a acolhê-la e a providenciar um emprego na empresa de limpezas onde é subgerente. Em resumo: "tem apoio familiar, uma casa para morar e possibilidade de trabalhar por conta de outrem", pelo que a defesa pedia a anulação da decisão do TEP do Porto e a concessão da liberdade condicional.
Os juízes desembargadores concordaram com a argumentação. "Não obstante ter sido ilícita a sua ausência ilegítima, a ora recorrente aproveitou a mesma para mudar o seu modo de vida de forma paradigmática", considerou a Relação do Porto, frisando o "modo exemplar" como pautou a sua vida durante mais de 15 anos. Complementarmente, a reclusa "evidenciou comportamento correto no meio prisional e a intenção de se reintegrar na sua família e de trabalhar uma vez restituída à liberdade".
"Todo o exposto evidencia uma situação que deve ser classificada de excecional e é favorável à concessão da liberdade condicional", concluem os desembargadores, que em abril de 2020 decidiram revogar a decisão do TEP e conceder liberdade condicional até ao termo da pena (22/02/2022).