O Tribunal da Relação de Lisboa reverteu parcialmente, esta quinta-feira, a decisão do juiz Ivo Rosa na Operação Marquês e mandou o ex-primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011) ser julgado por 22 crimes: três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal.
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O empresário Carlos Santos Silva, considerado na acusação do Ministério Público, um dos testas de ferro do antigo será, por sua vez, julgado por 23 crimes: dois de corrupção, 14 de branqueamentos e sete de fraude fiscal.
José Sócrates, de 66 de anos, e Carlos Santos Silva, de 65, tinham sido inicialmente acusados pelo Ministério Público, em 2017, de, respetivamente, 31 e 33 crimes. Em abril de 2021, Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, decidiu que seriam julgados, cada um, por apenas seis crimes em coautoria: três de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documento.
Os ilícitos estavam relacionados, no seu entender, com um crime de corrupção que já teria prescrito e que decorria do facto de Carlos Santos Silva ter feito alegadamente chegar à esfera de José Sócrates 1,7 milhões de euros, para obter informações para o Grupo Lena.
Os contornos são distintos dos que tinham sido alegados pelo Ministério Público. Para os procuradores, o antigo primeiro-ministro socialista terá acumulado, entre 2006 e 2015, um total de 34 milhões de euros obtidos em subornos de três fontes diferentes: a administração do Grupo Lena, os sócios do resort de Vale do Lobo, no Algarve, e Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), instituição então acionista da Portugal Telecom. Este último teria ainda subornado dois, à data, administradores da empresa de telecomunicações: Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.
O concurso para a obra do troço Poceirão-Caia do TGV - adjudicada a um consórcio integrado pelo Grupo Lena - a concessão de crédito pela Caixa Geral de Depósitos a Vale do Lobo de um crédito considerado ruinoso, e a atuação do Estado na estratégia da Portugal Telecom são os negócios decorridos há quase duas décadas.
Tese inicial recuperada
A tese tinha sido rejeitada, em toda a linha e com um entendimento alternativo, por Ivo Rosa, mas foi, ao que tudo indica, agora recuperada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Isto porque, de acordo com o comunicado desta quinta-feira do Conselho Superior da Magistratura, praticamente todos os presumivelmente envolvidos, na ótica do Ministério Público, nesses atos, ilibados em abril de 2021 por Ivo Rosa, foram agora mandados para julgamento pelas juízas desembargadoras Raquel Lima (relatora do acórdão), Micaela Pires Rodrigues e Madalena Caldeira.
Desde logo Joaquim Barroca, de 61 anos e então administrador do Grupo Lena, que será julgado por dois crimes de corrupção, sete de branqueamento e seis de fraude fiscal. Luís Marques, de 67 anos e à data dos factos dirigente da RAVE - Rede Ferroviária de Alta Velocidade, será, por sua vez, julgado por um crime de corrupção e outro de branqueamento, tal como um suposto intermediário nos subornos em torno do projeto do TGV, José Ribeiro dos Santos, de 65 anos.
Já no âmbito do dossiê Portugal Telecom/BES, Ricardo Salgado, de 79 anos e diagnosticado com Alzheimer, foi mandado para julgamento por três crimes de corrupção e oito de branqueamento. Zeinal Bava, de 58 anos, foi pronunciado por um crime de corrupção, um de branqueamento e um terceiro de fraude fiscal, enquanto Henrique Granadeiro, de 80 anos, foi mandado para julgamento cinco ilícitos: um de corrupção, dois de branqueamento e dois de fraude fiscal.
Na questão de Vale do Lobo, por sua vez, vão ser julgados por um crime de corrupção e outro de branqueamento Armando Vara, de 69 anos e à data do crédito concedido ao empreendimento administrador da Caixa Geral de Depósitos, bem como dois ex-administradores do resort, José Diogo Gaspar Ferreira, de 62 anos, e Rui Horta e Costa, de 63.
Primo e ex-mulher entre os arguidos
Outros sete arguidos vão ser julgados por um ou mais crimes de branqueamento, por terem, em geral, colaborado na ocultação dos alegados subornos, quer através de negócios imobiliários, quer através da disponibilização de contas bancárias, incluindo fora de Portugal, para a passagem do dinheiro, a par da eventual entrega de montantes em numerário.
Trata-se de José Paulo Pinto de Sousa, de 60 anos e primo de José Sócrates, Hélder Bataglia, empresário luso-angolano de 77 anos, Gonçalo Trindade Ferreira, advogado de 47 anos, Inês do Rosário, de 54 anos e mulher de Carlos Santos Silva, João Perna, de 54 anos e antigo motorista do ex-primeiro-ministro, Sofia Fava, de 54 anos e ex-mulher do antigo governante socialista, e Rui Mão de Ferro, administrador de empresas de 58 anos.
Os restantes três arguidos são quatro empresas que terão sido usadas para a prática dos crimes e que estão indiciadas por diversos crimes: a Lena Engenharia e Construções, SA, a Lena Engenharia e Construções, SGPS, a Lena SGPS, e a RMF - Consulting, Gestão e Consultadoria Estratégica, Lda".
Na prática, dos 28 arguidos que tinham sido acusados pelo Ministério Público em 2017, só Bárbara Vara, filha de Armando Vara, e cinco empresas foram ilibadas finda a instrução, uma fase facultativa, requerida pelos arguidos, na qual um juiz analisa se uma acusação está em condições de seguir para julgamento.
Julgamento separados
No acórdão, as juízas desembargadoras pronunciaram-se, apenas, sobre os crimes que Ivo Rosa tinha, há mais de dois anos e meio, cair. Na altura, além dos seis crimes imputados em coautoria a José Sócrates e a Carlos Santos Silva, pelos quais começam a ser julgados em breve, o magistrado mandou ainda julgar, em separado, Armando Vara e Ricardo Salgado, por factos não relacionados com o objeto principal da Operação Marquês.
O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos foi punido pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa, em julho de 2021, a dois anos de prisão efetiva por ter branqueado milhares de euros que acumulara numa offshore no Panamá e que não declarara ao Fisco. A pena foi posteriormente reduzida a um mês, por cúmulo jurídico com a pena que Armando Vara já cumprira por tráfico de influência no âmbito do processo Face Oculta.
Já o ex-presidente do BES foi condenado a oito anos de cadeia por três crimes de abuso de confiança, por ter desviado, há 12 anos, 10,7 milhões de euros do GES. A decisão está em apreciação, após recurso, no Supremo Tribunal de Justiça, e, por isso, Ricardo Salgado permanece em liberdade.
Todos os arguidos têm, em geral, negado a prática dos crimes.