Ex-juiz deu nomes de cidadãos de Marrocos e do Equador às autoridades para não pagar contraordenações de 360 euros e evitar ficar sem carta.
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O ex-juiz desembargador Rui Rangel, acusado com outras figuras mediáticas, como Luís Filipe Vieira, José Veiga ou o ex-presidente da Relação de Lisboa Vaz das Neves, de crimes de corrupção, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, usurpação de funções e fraude fiscal, também vai responder por falsificação de documento. Terá usado cartas de condução de cidadãos estrangeiros para se safar de multas de trânsito. O seu advogado, Santos Martins, também arguido e tido como o seu testa de ferro para receber dinheiro de proveniência ilícita, era quem arranjava as identidades alheias, através de um jurista espanhol.
Nunca estiveram sequer em Portugal, mas, para todos os efeitos legais, o marroquino Mokaddem Abdelmohssine e o equatoriano Cristian Andres Serrano eram os condutores dos potentes BMW X6 e Range Rover de Rui Rangel, quando os veículos foram apanhados em excesso de velocidade, em três ocasiões, na zona da Grande Lisboa.
O BMW, de 47 mil euros, que segundo o Ministério Público (MP) terá sido comprado com subornos do empresário José Veiga (que queria obter decisões judiciais favoráveis) foi detetado em infração, em janeiro de 2015, no Marquês.
"Podes usar à vontade"
Um ano e dois meses depois, Rangel recebeu a multa de 120 euros em casa e encaminhou-a para o seu advogado, José Santos Martins, que, por sua vez, solicitou um favor ao seu homólogo e amigo espanhol Óscar Lopes, também arguido na Operação Lex.
O jurista com escritório em Huelva, Espanha, mandou-lhe, via e-mail, cópia da carta de condução de Mokaddem, com a seguinte indicação: "podes usar à vontade a carta que junto remeto". E, segundo o MP, usou. Remeteu a identificação do suposto condutor para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), livrando assim Rui Rangel do processo.
Em novembro de 2016, o Range Rover usado pelo juiz foi apanhado em excesso de velocidade na Avenida das Descobertas e o advogado voltou a solicitar a ajuda do espanhol. "Preciso de um marroquino novo, tens?", escreveu o advogado, num e-mail apreendido pelas autoridades. O amigo já não tinha marroquinos, mas arranjou os documentos do equatoriano Cristian, que passou a constar na ANSR como infrator. Numa terceira multa por excesso de velocidade, em Loures, repetiram o esquema com a carta de condução de Cristian.
Garante o MP que Rangel e os advogados tinham como objetivo evitar que o então juiz da Relação pagasse as multas, mas também se livrasse de ficar sem carta.
Branqueamento
Amigo, advogado e testa de ferro para depósitos
O Ministério Público acredita que José Santos Martins não era apenas amigo e advogado de Rui Rangel e de Fátima Galante, a ex-companheira do juiz, também ela desembargadora. O jurista também seria testa de ferro do casal, que usaria as contas bancárias de Santos Martins, do seu filho e de um enteado para receber dividendos de uma empresa privada, cuja gestão era vedada aos magistrados. Entre 2006 e 2017, as contas bancárias do advogado, do filho e enteado registaram depósitos em numerário num valor superior a um milhão de euros e levantamentos de 897 mil euros.