Juiz diligenciou junto de professor ligado ao Nós Cidadãos, acenando com financiamento partidário. Estudante não conseguiu entrar.
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O ex-desembargador Rui Rangel é acusado, na Operação Lex, de ter prometido diversos favores a José Veiga, em contrapartida de 345 mil euros que terá recebido deste empresário, entre 2012 e 2013. Fora do contexto das funções de magistrado, pediu a dois professores da Universidade Católica uma cunha para garantir a entrada de um filho de José Veiga no curso de Gestão.
Um dos professores a quem Rangel recorreu é o atual presidente do Nós Cidadãos, Mendo Castro Henriques, e foi mesmo aliciado com eventual financiamento do partido por José Veiga, numa SMS de 14 de agosto de 2013, um dia após receber uma mensagem de Veiga com os dados do filho.
No dia 15, segundo o relatório da PJ, Rangel tranquilizava Veiga: "Amigo, já tratei do assunto que me pediu com o responsável máximo da instituição. Penso que vai correr bem. Mas só amanhã tenho a confirmação". A 9 de setembro, escreve: "Amigo, o Filipe já está admitido. N 20130446" (sic).
Mendo nega donativo
Inquirido pela PJ, Mendo Henriques disse "não se recordar" do teor da mensagem em que o juiz lhe pedira a cunha e garantiu que "não desenvolveu qualquer ato para dar seguimento ao pedido de Rui Rangel, classificando o mesmo como inadequado", relatou a polícia. Já quanto à expressão "financiamento do part.", admitiu que significasse financiamento do Nós Cidadãos, então projeto de partido, mas negou qualquer donativo de Veiga.
A PJ relatou que a candidatura do filho de Veiga foi "validada", mas "não foi instruída com os documentos necessários, pelo que o candidato veio a ser excluído por falta de dados". Concluiu assim que o juiz praticou "atos com vista a interceder junto de funcionários da instituição de utilidade pública" que devem ser relevados, "não obstante o [seu] insucesso", por terem coincidido com o período, de agosto a setembro de 2013, em que Veiga transferiu 250 mil euros para a "órbita de Rui Rangel".
Na acusação, o Ministério Público olha para o caso como um exercício de ostentação de influência de Rangel, concluindo que Castro Henriques "não deu qualquer sequência" ao pedido do juiz.
O Ministério Público escreveu ainda que Rangel, no dia em que enviou a referida mensagem a Henriques, fez o mesmo pedido a um outro professor da Católica, Gustavo da Cunha. Porém, não desenvolveu a informação.
Uma acusação cheia de casos com filhos
A acusação do Ministério Público (MP) está cheia de episódios sobre os filhos dos principais arguidos. Alguns consubstanciam crime, outros contextualizam o relacionamento entre arguidos. O mais insólito é talvez o da boda de casamento de um filho do arguido José Veiga, em que o MP identifica todos os convidados que se sentaram na mesa n.º 1, denominada Brazaville, capital da República do Congo, onde aquele empresário tinha negócios: além dos pais do noivo, foram eles o casal Rui Rangel e Bruna Amaral (arguidos); Dina e Pedro Santana Lopes (ex-primeiro-ministro); Margarida e Manuel Damásio (ex-presidente do Benfica); Tânia e Roberto Colnaghi (presidente da brasileira Asperbras, parceira de Veiga no Congo); e Dennis Christel, filho do presidente do Congo e presidente da Sociedade Nacional de Petróleos do Congo. Muito importantes, para a acusação, são os episódios com o filho de José Santos Martins, testa de ferro de Rangel. Bernardo disponibilizou uma conta para receber dinheiros destinados a Rangel. Também há negociações de Rangel com o empresário Eliseu Bumba para a abertura de uma clínica dentária, em Luanda, para o filho que o juiz tem em comum com Fátima Galante.
POMENORES
Eleições no Benfica
Dos 345 mil euros que José Veiga transferiu para a órbita de Rui Rangel, 55 mil pagaram a campanha do juiz à presidência do Benfica em 2012, discrimina o MP. Veiga apostaria em Rangel para garantir negócios no Benfica.
Pena de prisão
Em recurso para a Relação de Lisboa, José Veiga foi absolvido da condenação a quatro anos e meio, por fraude e branqueamento, na transferência de João Pinto do Benfica para o Sporting. Segundo a acusação, Rangel levou o presidente do tribunal, Vaz das Neves, a distribuir manualmente o recurso ao juiz Rui Gonçalves.
Processo fiscal
Veiga também é acusado de ter corrompido Rangel ao pedir-lhe ajuda num processo por uma dívida fiscal de três milhões. Acabou absolvido.