O ex-banqueiro Ricardo Salgado, de 79 anos e diagnosticado com Alzheimer, esteve esta sexta-feira em tribunal, para ser interrogado no julgamento em que é suspeito de ter corrompido o antigo ministro Manuel Pinho. O depoimento durou menos de dez minutos.
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O antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) chegou ao Campus de Justiça de Lisboa, pelas 10 horas, acompanhado da sua mulher, Maria João Salgado, e dos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce.
Num depoimento que durou menos de dez minutos, Ricardo Salgado acabou por ser apenas identificado pela presidente do coletivo de juízes, Ana Paula Rosa. Conseguiu confirmar o seu nome e os dos pais, mas não a morada onde reside. E só identificou Manuel Pinho quando o viu e não à sua menção por parte da magistrada.
O tribunal fez ainda questão de perguntar ao ex-banqueiro, que garantira" já não" conseguir "explicar" do que trata o processo, se fora informado pela sua defesa sobre os factos por que está a ser julgado desde outubro de 2023. "Imagino que sim", retorquiu, mais perto do que é habitual da tribuna dos juízes, por não ter sido capaz de ouvir a magistrada do lugar dos arguidos, mais afastado.
O antigo presidente do BES compareceu no Tribunal Central Criminal de Lisboa por exigência do trio de juízes, depois de duas perícias independentes terem atestado que, apesar da doença neurodegenerativa de que sofre, estaria em condições de ser interrogado. Na sala de audiências, foi, visivelmente debilitado, sempre amparado pela mulher, Maria João Salgado, ao deslocar-se.
Ricardo Salgado está acusado de dois crimes de corrupção e um de branqueamento, enquanto Manuel Pinho, de 69 anos, responde por dois ilícitos de corrupção passiva, um de branqueamento e um de fraude fiscal. O Ministério Publica acredita que ex-banqueiro terá feito chegar, entre 2015 e 2012 e através de offshores, cerca de cinco milhões de euros a Manuel Pinho (PS), para que este beneficiasse o BES e o Grupo Espírito Santo (GES) enquanto foi ministro da Economia, de 2005 a 2009, em particular em projetos imobiliários.
A mulher do antigo governante, Alexandra Pinho, de 63 anos, é, por sua vez, suspeita de ter ajudado o marido a ocultar o dinheiro e, por isso, está acusada de um crime de branqueamento e outro de fraude fiscal. O casal nega as imputações, enquanto o ex-banqueiro assegurou, em 2019, "nunca" ter corrompido "ninguém".
"Não é uma brincadeira"
Esta sexta-feira, à saída do tribunal, Francisco Proença de Carvalho frisou que a doença de Alzheimer "não é uma brincadeira" e reiterou que o antigo presidente do BES "não pode obviamente esclarecer com o mínimo de consistência o que quer que seja num processo" com "a complexidade" daquele em que está a ser julgado desde outubro de 2023.
"Não é a dignidade humana só do dr. Ricardo Salgado que está em causa, é a dignidade da justiça portuguesa, que tem de decidir ser quer ser uma justiça digna, que serve os princípios dos direitos humanos. [...] Acho que uma pessoa nestas condições não tem direito a um julgamento justo e equitativo, porque não se pode ela própria autodefender e explicar aquilo que são os seus factos e aquilo que são as suas razões. Não que não quisesse", afirmou.
O advogado acrescentou que, se vier a existir uma condenação, a pena terá, dada a condição do seu cliente, de ser sempre de ser suspensa, antecipando uma eventual recurso, se tal não acontecer, ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
O ex-banqueiro está, ainda assim, já condenado a uma pena de oito anos de prisão efetiva por ter desviado 10,7 milhões de euros, em 2011, do GES, num outro processo, que resultou da Operação Marquês. Quando o julgamento terminou, em março de 2022, Ricardo Salgado tinha já sido diagnosticado com Alzheimer, mas tal não foi valorado pelos juízes ao decidirem a punição a aplicar. A pena está atualmente em fase de recurso no Supremo Tribunal de Justiça e, por isso, não começou a ser cumprida, podendo ainda ser alterada.
O antigo presidente do BES está igualmente acusado pelo Ministério Público de diversos crimes económico-financeiros em cinco processos relacionados com o colapso, no verão de 2014, do banco e do GES. O de maior dimensão, com 20 arguidos, tem o início do julgamento agendado para 28 de maio deste ano, 2024.