Reclusos só colaboraram com investigação a tráfico na cadeia de Paços de Ferreira após transferência. Processo com excecional complexidade.
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Vários reclusos denunciantes do esquema de corrupção que permitiu, ao longo de anos, a entrada de droga e telemóveis na cadeia de Paços de Ferreira tiveram de ser transferidos para outros estabelecimentos prisionais para não serem agredidos por presos envolvidos no processo. Muitos deles continuam, aliás, a beneficiar de medidas de proteção para não serem coagidos a mudar o seu testemunho, o que iria, obviamente, prejudicar uma investigação que deveria ter ficado concluída no início deste mês.
As dificuldades encontradas pelas autoridades levaram o Tribunal de Instrução Criminal do Marco de Canaveses a declarar, a pedido do Ministério Público, a excecional complexidade do processo, que já conta com 18 arguidos, reclusos e guardas prisionais.
Esta decisão judicial permitiu que Manuel Borges, antigo chefe da guarda prisional em Paços de Ferreira, continue em prisão preventiva depois de ter sido detido, em novembro do ano passado. Delfim Dispenza e José Manuel Coelho, guardas prisionais que também tinham sido colocados em prisão preventiva, no âmbito da operação levada a cabo pela Polícia Judiciária (PJ), já abandonaram a cadeia, devido às medidas criadas para proteger a comunidade prisional da covid-19.
Falta ouvir 50 testemunhas
Fonte ligada à investigação confirma que pairava, na cadeia de Paços de Ferreira, um clima de intimidação entre os presidiários que manifestaram vontade de colaborar com a PJ. Estes receavam ser agredidos e temiam que os seus familiares sofressem represálias dos contactos que os suspeitos mantinham no exterior. As testemunhas só tiveram coragem para denunciar o tráfico de droga e de outros produtos ilícitos quando ficaram afastados dos cinco guardas prisionais detidos e dos reclusos que dominavam a rede.
A excecional complexidade do processo, agora decretada, permitirá à PJ interrogar as cerca de 50 pessoas ligadas ao processo e proceder à análise dos extratos bancários dos guardas prisionais, indiciados por receberem milhares de euros para introduzir droga na prisão. As contas dos reclusos e seus familiares usadas para pagar os serviços dos cinco detidos estão, igualmente, a ser investigadas. Com mais tempo, será mais fácil às autoridades compreender totalmente uma organização criminosa à qual não faltavam posições de liderança assumidas por alguns presos, que não hesitavam em amedrontar outros reclusos para obter avultados ganhos através da venda de droga.
PORMENORES
Anos de tráfico
O tráfico de droga e de telemóveis na cadeia de Paços de Ferreira estava a ser investigado há dois anos quando foram feitas as detenções. Mas os factos criminosos remontam a 2011.
Associação criminosa
Para além do tráfico de estupefacientes, estão em causa os crimes de corrupção passiva e, eventualmente, de branqueamento de capitais e associação criminosa.
Telemóvel a 100 euros
Os guardas prisionais cobravam 100 euros por cada telemóvel introduzido na cadeia, valor que recebiam também por cada placa de haxixe. Cada anabolizante custava 50 euros.