Esquema de receitas falsas com farmácias de Vila Verde e Póvoa de Lanhoso durou cinco anos. Remédios comparticipados prescritos em 90% em nome de pacientes que nada sabiam.
Corpo do artigo
O Tribunal de São João Novo, no Porto, vai julgar a partir de hoje seis médicos e duas farmacêuticas, respetivamente das farmácias do Prado, em Vila Verde, e São José, da Póvoa de Lanhoso. São acusados de um esquema de burla que terá lesado, desde 2011 até 2016, o Estado em quase 1,5 milhões de euros.
As duas farmácias também são arguidas no processo, pelo que serão 10 os arguidos julgados. A Farmácia da Póvoa de Lanhoso recebeu indevidamente 1,3 milhões, enquanto a de Vila Verde está acusada de um ganho ilícito de 120 mil euros, à custa do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A todos é imputada pelo Ministério Público a prática de crimes de burla qualificada, falsificação de documento e falsidade informática. O médico Abílio Pinto é aquele que mais receitas falsas terá passado: um total de 1,035 milhões de euros entre 2010 e 2015, aviadas pela Farmácia São José. O SNS comparticipou essas receitas em 706 mil euros.
11452914
As farmácias e as farmacêuticas vão ainda responder por corrupção ativa, enquanto os médicos respondem por corrupção passiva.
O Ministério Público considerou indiciado que, durante o referido período, as farmacêuticas se "conluiaram" com os médicos para obter "ganhos indevidos à custa do SNS". Vantagens que eram depois "repartidas entre todos".
Suspensas de funções
De acordo com a acusação, os médicos emitiram receitas fraudulentas, por não corresponderem a qualquer real prescrição clínica, utilizando para isso dados dos seus próprios pacientes ou de clientes das farmácias que lhes eram indicados pelas farmacêuticas.
"Nessas receitas, prescreviam invariavelmente medicamentos com custo de aquisição dispendioso e com elevada taxa de comparticipação, maioritariamente 90 por cento, do SNS", acrescenta a acusação.
As receitas eram depois entregues às farmacêuticas, que as apresentavam à ARS - Administração Regional de Saúde do Norte para pagamento da comparticipação devida pelo Estado, "como se tivessem sido efetivamente aviadas a cliente da farmácia que daquele fosse beneficiário".
2639301
O MP apurou um ganho indevido, em prejuízo do SNS, de 1,3 milhões de euros, no caso da Farmácia da Póvoa de Lanhoso, e de 120 mil euros, no caso da Farmácia de Prado.
Pede, por isso, no processo, a perda ampliada de bens a favor do Estado, a qual já está garantida através do arresto já efetuado a bens dos arguidos. Foi pelo tribunal decidida a suspensão de funções das duas farmacêuticas, quer como profissionais quer como gestoras das farmácias.
A acusação foi deduzida pelo Departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público do Porto. O julgamento esteve marcado para março, mas foi adiado devido à pandemia.
A acusação arrolou um total de 129 testemunhas, a maioria utentes que de nada sabiam do esquema, bem como quatro inspetores da Polícia Judiciária do Porto, que investigaram o caso.
Metade da faturação entre 2012 e 2015 era de receitas falsas
Entre 2012 e 2015, a farmácia São José, de Póvoa de Lanhoso, faturou ao Serviço Nacional de Saúde 2,5 milhões de euros. Deste montante, refere o Ministério Público, cerca de metade não tinham correspondência com tratamentos de doentes - ou seja, receitas falsas. Como indício de um esquema com um médico, a PJ encontrou uma pasta com um papel onde se lia: "Dr. Abílio 17 mil euros". Em dezembro de 2012, o clínico Abílio Pinto prescreveu 54 receitas em nome de utentes que não tinha consultado e com medicamentos nunca levantados. Ao todo, terá recebido 34 mil euros. Está acusado de corrupção passiva.
Médicos negam
Na fase de inquérito, os médicos negaram ter passado receitas falsas, garantindo que apenas as prescreveram a doentes a quem diagnosticaram doenças. O MP diz que prescreviam, em regra, oito medicamentos, dos mais caros e com maior comparticipação.
Fragilidades
Desde 2011 que as farmacêuticas - diz o Ministério Público - "decidiram tirar proveito do conhecimento que tinham do funcionamento do SNS e da ARS e das fragilidades do seu sistema de financiamento com o concurso de outras pessoas, nomeadamente médicos e funcionários".