Tribunal considerou que árvore era "peça fundamental e marcante do imóvel, em Matosinhos", e foi destruída sem ordem da senhoria. Vivia naquela casa desde 1973.
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Uma mulher de 77 anos terá de sair da moradia que arrendava há décadas na Estrada da Circunvalação, em Matosinhos, por, em 2019, ter cortado uma magnólia com 50 anos que estava no jardim da frente da casa. Para os juízes, a árvore era um elemento marcante do conjunto arquitetónico, concebido em 1966 pelo marido e pai das atuais senhorias, e o seu corte não autorizado destruiu a confiança entre as partes, o que justifica a resolução do contrato de arrendamento.
Além de ser despejada do imóvel arrendado pelos pais em 1973, a inquilina terá de pagar uma indemnização de mil euros pelos danos causados. A decisão foi confirmada no mês passado pela Relação do Porto.
As senhorias tinham interposto uma ação contra a inquilina, pedindo a resolução do contrato e uma indemnização de dois mil euros. Em maio, o Tribunal de Matosinhos considerou que a árvore era "uma peça fundamental e marcante do imóvel e da envolvente urbanística, de que as autoras não pretenderiam prescindir". O seu corte "prejudicou o imóvel e a envolvente urbanística", concluiu, dando razão às senhorias.
Estragos e sombra
A inquilina recorreu alegando que não sabia da especial relevância daquela magnólia e que mandara fazer a poda porque causava sombra e os ramos entupiam a caleira e batiam nos vidros.
580,50 euros era o valor da renda paga pela inquilina em 2022, quando surgiu este conflito judicial. A casa fora arrendada pelos pais em 1973. Após a sua morte, a filha herdou o contrato e passou a residir na habitação, situada na Estrada da Circunvalação, em Matosinhos.
O jardineiro encarregado do serviço descobriu depois que os ramos estavam podres e o tronco tinha bichos. Por isso, teve de cortar o tronco para tentar salvar a árvore e evitar que caísse em cima de alguém. Desta forma, limitara-se a cumprir o seu dever de vigilância, sem modificar as linhas exteriores ou a configuração do imóvel, justificou.
O recurso frisava que, caso o contrato fosse resolvido, a idosa "ficaria física e socialmente desenraizada da zona geográfica onde desde sempre fixou a sua residência e onde tem estabelecido o centro nevrálgico da sua vida" e "totalmente desprovida de um lar, não tendo para onde ir, o que na sua idade é absolutamente destituído de humanidade".
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto desvaloriza o testemunho do jardineiro que cortou a árvore, pois se só ia cortar ramos, como é que se apercebera dos bichos no interior do tronco, questionaram.
Um dos argumentos usados no processo para salientar o valor arquitetónico da casa de três andares, com anexo e jardim, foi ter sido usada como capa de um calendário da construtora em 1970.
O acórdão de 10 de novembro a que o JN teve acesso salienta que, mesmo que a árvore estivesse podre e com bicho, a inquilina não a podia cortar "por si só". "Teria de comunicar a situação à senhoria para que esta decidisse o que fazer com a árvore". Porém, nunca o fez. E, após o corte, nunca abriu a porta, nem respondeu às cartas das senhorias. Não deu qualquer explicação, nem a deixou vistoriar o interior do imóvel.
Os juízes desembargadores não tiveram dúvidas de que a septuagenária teve "uma conduta que alterou a coisa locada" e que, mesmo voltando a crescer, "a magnólia não voltará a ter a forma nem a altura que tinha".
O ato não era permitido e a inquilina gerou uma situação que não pode ser reparada. Não cumpriu com o dever de guarda e conservação do imóvel arrendado e destruiu a confiança que deve existir entre as partes. Sem poder confiar no arrendatário, confirmou a Relação, torna-se "inexigível a manutenção do contrato", existindo, "efetivamente, fundamento para a sua resolução" e pagamento de indemnização.