Balcão de Arrendamento deu razão a senhorios em 983 processos tramitados desde fevereiro de 2021. Mas nem todos os inquilinos foram de facto despejados.
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O número de famílias e comerciantes que receberam ordem para desocupar os espaços que tinham arrendado disparou desde que a tramitação dos processos no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA) voltou a ser a regra, após 11 meses de paragem, em 2 de fevereiro de 2021.
Desde 10 de março do ano passado, 170 lojistas foram obrigados a deixar os seus espaços - mais 35 do que nos dois anos anteriores. E, na habitação, só a lei provisória que trava a entrega da casa quando falta uma alternativa aos inquilinos impediu centenas de pessoas de irem para a rua. Lisboa, Porto e Setúbal são os distritos mais afetados.
A tramitação dos procedimentos especiais de despejo - requeridos quando, entre outras situações, o contrato é denunciado por falta do pagamento da renda - foi suspensa, devido à pandemia de covid-19, a 9 de março de 2020. A 2 de fevereiro do ano seguinte, a pausa chegou ao fim, mas a lei manteve uma exceção: tramitados os processos, não seriam despejados os inquilinos que ficassem numa "situação de fragilidade" por falta de habitação própria.
Entre 20 de março de 2020 e 9 de março de 2021, o BNA tinha emitido, tal como o JN noticiou, apenas um título de desocupação de locado. Mas, a partir de então, o panorama mudou. De acordo com dados agora fornecidos ao JN pelo Ministério da Justiça, entre 10 de março de 2021 e 18 de abril do corrente ano, 983 processos culminaram numa ordem de despejo, 812 dos quais de residências. Dos restantes, 170 referem-se a espaços não habitacional e um a um prédio rústico.
Entre 20 de março de 2019 e 9 de março de 2021, tinham sido emitidos 705 títulos de desocupação de locado, dos quais 570 respeitantes a habitações.
Senhorios insatisfeitos
A tutela desconhece quantos dos despejos se concretizaram. Segundo fontes do setor, as desocupações dos espaços comerciais, não abrangidos pela referida exceção legal, terão mesmo ocorrido, enquanto a maioria dos despejos residenciais estará ainda por se efetivar.
Os senhorios, apelam, por isso, a que a lei seja revogada pela Assembleia da República.
"O direito à habitação é muito válido, mas temos situações que deviam ser analisadas e ponderadas. Estamos a falar de muitas pessoas que também precisam do imóvel para ir para lá viver, ou para vender, porque têm dificuldades financeiras", sustenta, ao JN, a vice-presidente da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, Patrícia Maio, lembrando que, entre os despejos suspensos, há situações anteriores à pandemia.
A sua homóloga da Associação Lisbonense de Proprietários, Iolanda Gávea, concorda: "Volvidos mais de dois anos sobre o início da pandemia, só remetendo o direito constitucional à propriedade privada para um direito menor se justifica a manutenção desta suspensão".
O líder da Associação de Inquilinos Lisbonenses admite que a lei "tem de ser revista no sentido de se adaptar à situação real em que as pessoas se encontram". "Em qualquer situação em que seja verificado judicialmente que não pode pagar - porque estava no desemprego, lay-off - não pode haver despejo indiscriminadamente", defende Romão Lavadinho, ressalvando que, já quando as "pessoas ocupam ilegalmente ou não pagam porque não querem", "tem de ser aplicada a lei dos incumprimentos".
Pandemia aumenta dívidas
Senhorios e inquilinos concordam que a pandemia de covid-19, em particular pelo desemprego e pelas situações de lay-off, fez aumentar os incumprimentos no pagamento de rendas. Na habitação, estima a presidente da Associação de Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, Patrícia Maio, a taxa de incumprimento está já em 30%, "a caminhar para os 50%, a continuar assim". Na área comercial, a situação estagnou, com perdas mútuas para inquilinos e senhorios.