Ministério Público quer que sejam julgados por insultos e ameaças de morte dias após a invasão da Ucrânia. Defesa contesta acusação.
Corpo do artigo
São sete ucranianos, todos residentes em Braga. Em março, poucos dias depois de a guerra entre os dois países ter começado, foram à loja Troika, que vende produtos russos e de outros pontos do Leste da Europa, e insultaram e ameaçaram a dona, uma cidadã originária da Rússia, mas com nacionalidade portuguesa. Agora, o Ministério Público acusa-os do crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência.
A acusação, a que o JN teve acesso, descreve que no dia 7 de março, às 13 horas, e para se vingarem da invasão russa iniciada a 24 de fevereiro, os ucranianos foram à loja explorada por Natalya Sverlova, na Rua Francisco Pereira Coutinho, em S. Vicente. Entraram e disseram-lhe que era "uma p...!" e que deveria "voltar para a sua terra e deixar Portugal".
Nessa altura, refere o mesmo documento, o grupo exigiu-lhe que retirasse da parede as bandeiras da Federação Russa e da Ucrânia, ao que ela se opôs, o que os levou a ameaçá-la: "vamos queimar a loja! Aqui não vais viver"! Quando andares na rua olha para trás! Não vais vender nada! Vocês russos vão todos sair deste país...filhos da p...!". E apelidaram-na, ainda, de "fascista".
Recusaram sair
A acusação salienta ainda que Natalya pediu, várias vezes, aos arguidos, quatro homens e três mulheres, com idades entre os 21 e os 61 anos, para saírem do estabelecimento, mas eles recusaram-se: "Não vais sair daqui e nós também, enquanto não tirares as bandeiras!", relata o MP.
Segundo o que foi apurado no inquérito, nesse entretanto, entrou na loja um casal de clientes, mas os arguidos disseram-lhes para nada comprarem, o que os levou a sair, prejudicando o normal desenrolar do negócio.
A seguir, Natalya Sverlova terá sido intimada a ajoelhar-se, "para a humilhar", o que ela recusou fazer, mas os arguidos ficaram durante 30 minutos a insultá-la: "és a p... do Putin! És um lixo! Temos de vos matar a todos e também ao Putin!", terão afirmado
A acusação sublinha ainda que, 15 minutos depois de o grupo ter abandonado a loja, um dos arguidos postou na sua página de facebook um vídeo em que era possível reconhecer a vítima e passagens do ocorrido na ocasião.
O post deu origem a novos insultos e várias ameaças, entre as quais o de "vou-te matar! E vou-te queimar a loja!".
Defesa contesta
Em declarações ao JN, os advogados Rui Marado Moreira e Miguel Brito, que defendem cinco dos sete arguidos, adiantaram que, no pedido de abertura de instrução do processo, vão argumentar que o crime de discriminação não tem sentido e justificar a atitude dos seus clientes: "é de uma grande insensibilidade que se acuse pessoas que foram protestar contra a presença de objetos de propaganda soviética, dias depois da invasão russa", salientou o primeiro.
O advogado acrescenta que os arguidos pediram para comprar os artigos de propaganda soviética," que comparam à dos nazis e que devia ser proibida", mas que a dona se recusou a vendê-los. "Alguns, como um objeto de cerâmica com íman, tinham a bandeira soviética em cima do mapa da Ucrânia", justifica o causídico.
Rui Marado Moreira diz ainda que a acusação feita pelo MP revela "grande insensibilidade" e que o magistrado parece ignorar o que foi o estalinismo para a Ucrânia e o chamado "Holodomor", a morte pela fome de três milhões de pessoas.
Pormenores
Acusação não diz quem fez o quê
O advogado dos ucranianos alega que a acusação está mal fundamentada pois diz que os sete arguidos insultaram e ameaçaram, mas não indica quem disse o quê.
Loja ucraniana a 30 metros
Na mesma zona, a 30 metros, existe uma loja explorada por ucranianos, que também vende produtos dos dois países. As relações entre ambas são boas.
Agente da PSP é testemunha
O processo conta com duas testemunhas de acusação: o agente da PSP que foi ao local e outra imigrante russa que entrou na loja aquando dos acontecimentos.