Encerramentos foram os únicos decretados pelo ministro da Administração Interna neste ano. Espaços palco de casos mais mediáticos têm continuado abertos. Associação de Diretores de Segurança pede investigação criminal "a sério" na noite.
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Entre 1 de janeiro e 23 de novembro deste ano, o Ministério da Administração Interna (MAI) mandou encerrar provisoriamente, em todo o país, dois bares por porem em causa a segurança pública. De fora da lista ficaram, por exemplo, um espaço em Paredes onde, em maio, um homem foi encontrado baleado na cabeça na casa de banho, e os estabelecimentos da zona ribeirinha de Lisboa que têm estado na génese de agressões a, nomeadamente, agentes da autoridade de folga. Um deles morreu, em março.
O número foi fornecido ao JN pelo MAI, que, oportunamente, anunciara já o fecho cautelar, por um máximo de seis meses, do Bling Bling Bar (Porto), em abril, e do Mandarim (Coimbra), em outubro.
No primeiro caso, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro - que tomara posse dias antes -, ordenou o fecho após um tiroteio entre grupos rivais à porta do bar. Os seis meses já terminaram, mas o bar não reabriu. No segundo a decisão resultou de 21 denúncias, "quase exclusivamente pela prática de alegadas agressões por seguranças privados ao serviço daquele estabelecimento", e de 11 contraordenações por falta de medidas de segurança obrigatórias.
Por escrito, o MAI esclareceu que o fecho compulsivo de bares tem sempre "por base a informação policial" que o fundamenta. "As medidas de polícia são e serão sempre determinadas ou validadas pelo MAI quando existem factos, no correspondente processo, a comprovar que a manutenção da atividade de determinado estabelecimento é suscetível de violação da ordem, da segurança e da tranquilidade públicas", frisa o MAI. São ainda tidos em atenção o "princípio constitucional da proporcionalidade" e o parecer do presidente do Município.
Além do MAI, o diploma que permite o encerramento cautelar de bares e discotecas (Decreto-Lei n.º 135/2014, de 8 de setembro) dá margem à GNR e à PSP para decretar, por sua iniciativa, o fecho provisório, quando não sejam respeitadas as regras de videovigilância, deteção de armas e outros objetos perigosos à entrada, e serviço de vigilância por seguranças privados. A medida é reversível mediante o cumprimento das obrigações em falta.
Contactadas pelo JN, a GNR e a PSP explicaram apenas o enquadramento legal da sua atuação quanto a bares e discotecas, sem quantificar o número de casos registados.
Para o presidente da Associação de Diretores de Segurança de Portugal, o encerramento cautelar de bares e discotecas "é uma medida útil", mas que não passa de "um paliativo". "É uma medida tomada a quente. Depois, há recursos e pode não vingar", justifica José Meneses.
Vigilantes informais
A posição mantém-se quando se trata de estabelecimentos reiteradamente palco de violência. "Regra geral, a noite está dominada por um grupo e, enquanto não se for à raiz do problema, vai continuar a ser. Portanto, não adianta fechar o bar A, porque a seguir vai ser o bar B", explica o dirigente, sem poupar nas críticas aos vigilantes informais e sem formação.
A realização de "investigação criminal a sério" na noite para recolher prova sólida, a revisão da legislação da segurança privada e mais policiamento no exterior dos espaços são algumas das soluções que propõe.
Nem dá para perceber se estão brigando ou festejando
Quando, há cerca de um mês, Milena Barros se mudou para Portugal e para o Bairro Alto, em Lisboa, já sabia que iria passar a morar num dos bairros mais procurados, durante a noite, por turistas e foliões da Grande Lisboa. É, por isso, sem surpresa, que, madrugada após madrugada, tem ouvido barulho até altas horas. Mais confusa parece ficar quando se fala de situações de violência, dentro ou fora dos bares.
"Com o ruído que fazem, nem dá para perceber se estão brigando ou festejando", desabafa, bem-disposta, a brasileira de 20 anos, sem se aperceber de que as suas palavras não diferem assim tanto de quem reside no Bairro Alto há décadas.
Maria da Silva Fernandes, por exemplo, tem 83 anos, mora ali desde os 19 e, enquanto descansa no passeio, só muito a custo se queixa de algo que não o facto de raramente conseguir adormecer antes das três da madrugada.
Ainda assim, não esquece a noite em que, alarmada por estarem a dar cabeçadas no estore do seu apartamento térreo, ligou para a Polícia e lhe responderam simplesmente que não tinham ninguém para ir ao local.
"Há alguns que são mais sensatos e dizem "vamos embora daqui, que são quatro da manhã"", acrescenta a idosa, a propósito do barulho a que diz estar habituada.
Não há "insegurança"
O presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, Hilário Castro, concorda que falta policiamento, mas ressalva que a PSP tem feito um esforço para reforçar a presença nas ruas.
O problema - defende - é que, "com o maior número de visitantes" que o Bairro Alto tem tido recentemente, a resposta "não é suficiente". Mesmo que tal "não se traduza em insegurança" no bairro.
"Como um dos principais pontos da noite, onde afluem centenas e milhares de pessoas, é normal que [o Bairro Alto] necessite de um policiamento que muitas vezes não verificamos existir", sublinha, ao JN, Hilário Castro, sem se opor ao encerramento provisório, em caso de incumprimento, de estabelecimentos de diversão noturna. Insiste, apesar disso, que "não há nenhum bar do Bairro Alto que seja, neste momento, uma fonte de problemas".
Mais problemas após o fecho
Na mercearia de Lurdes Ribeiro, de 73 anos, ninguém discorda. Até porque, salientam a comerciante e duas clientes transformadas em amigas, a maior confusão acaba por surgir depois de os bares fecharem... e com o contributo de quem, apesar de ter iniciado a noite no Cais do Sodré, prefere passar a noite a conviver nas ruas do Bairro Alto. "A gente habitua-se. Fecho as janelas todas de madeira e já não oiço nada", remata Lurdes Rodrigues.
São seis da tarde e, ali perto, já um grupo de turistas pede, entre canções e berros ao ritmo do álcool, à proprietária de um bar que o abra para que possam assistir a futebol. Ainda é cedo, e a festa começa, pacífica mas barulhenta, na rua.