Antigo magistrado já tinha sido condenado por falsas declarações e reformado compulsivamente. Julgamento vai ser repetido mas sem a principal testemunha.
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Julgamento repetido, mas sem o depoimento da principal testemunha, o antigo juiz Vítor Vale, de Famalicão. Foi esta a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) face ao pedido de revisão extraordinária do acórdão que anulou um contrato entre os dois herdeiros de José Ferreira Pinto Basto, um milionário da zona de Ílhavo já falecido, por o juiz ter mentido no processo. Vítor Vale já havia sido condenado por falsidade de testemunho, o que determinou a sua aposentação compulsiva.
A anulação do contrato de cessão do quinhão hereditário de José, um dos filhos, em favor de Maria Alexandra Pinto Bastos, a herdeira mais velha, fora pedida pelo primeiro em 2012, com base no depoimento do próprio e de testemunhas, entre as quais a mais valorada foi a do juiz Vítor Vale, que tinha sido companheiro da Maria Alexandra.
Em 2010, afetado pela toxicodependência, José Pinto Bastos tinha assinado uma escritura de cedência a favor da irmã, na qual se atestava que recebera 700 mil euros, a sua metade da herança, apesar de nada ter recebido. Em contrapartida, Maria Alexandra dava-lhe uma prestação mensal vitalícia de 500 euros e o direito à habitação, também vitalício, de um apartamento em Mira.
Irmão muda de ideias
Dois anos depois, no entanto, José pediu a anulação do contrato, alegando que não se apercebera de que ia ficar sem os 700 mil euros e que pensava que o documento assinado "era apenas para viabilizar melhor a administração da herança", pois, "se não fosse assim perdiam os bens para o Fisco".
No julgamento, em Braga, em 2013, o ainda juiz Vítor Vale, que vivera com Maria Alexandra entre 2008 e 2011 (e de quem tem uma filha), corroborou a tese do irmão dizendo que Maria Alexandra planeara apoderar-se da totalidade dos bens deixados. Manifestou também a convicção de que nunca foi vontade do pai que o dinheiro ficasse para a filha e negou que José tivesse consciência jurídica dos efeitos da cessão do quinhão. Testemunhou ainda que o pai já não teria todas as suas faculdades mentais quando fez o testamento.
O contrato foi anulado por decisão judicial, mas Maria Alexandra queixou-se do magistrado à Relação de Guimarães, por falsidade de testemunho, dizendo que ele o fez "por vingança", devido ao rompimento da relação entre ambos. O tribunal condenou o juiz e o acórdão, que ditava a sua aposentação compulsiva, foi confirmado pelo Supremo.
Da sentença de anulação, foi, entretanto, feito recurso para a Relação, que confirmou a decisão da primeira instância. Mas Maria Alexandra apresentou um recurso de revisão para o Supremo, tendo ordenado a repetição do julgamento, porque uma testemunha, o juiz, foi condenada pelo crime de falsidade de depoimento. Sublinha ainda que o tribunal lhe deu "grande importância e credibilidade" por ser magistrado judicial. O julgamento será repetido em Braga, mas sem o testemunho de Vítor Vale.
Caso
Absolvido de acusação por violência doméstica
Vítor Vale tinha sido condenado a uma pena de ano e meio de prisão (suspensa na sua execução) e ao pagamento de uma indemnização de 7500 euros pelo crime de violência doméstica, mas foi absolvido do caso pelo STJ. Em causa o envio de várias sms ofensivas à ex-companheira e vice-versa. Os juízes conselheiros consideraram que "o conceito de maus-tratos, essencial no crime de violência doméstica, tem na sua base lesões, intoleráveis, brutais, pesadas", o que, no entender dos magistrados, não se verificou neste caso.
Reação
Ex-magistrado não comenta
Vítor Vale disse ao JN que não mentiu, mas não se pronuncia porque desconhece o acórdão. O advogado de Maria Alexandra, Pedro Mendes Ferreira, não quis comentar o caso.
Restituição do espólio
No novo julgamento voltam a estar em causa o pedido de anulação do contrato e de restituição de 700 mil euros, mais 44 mil de juros. José diz que da herança faziam parte dez imóveis, um jazigo, saldos bancários e aplicações de mais de 500 mil euros, uma prestação do Município de Ílhavo de 460 mil euros, ações, dez veículos e um barco.