Punição desce de nove anos para um ano e dez meses de prisão. Jovem sem-abrigo estava desesperada, diz tribunal.
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O Supremo Tribunal de Justiça atenuou de nove anos para um ano e dez meses de prisão a pena da jovem sem-abrigo que, em 2019, deixou o filho recém-nascido num ecoponto em Santa Apolónia, em Lisboa.
No acórdão, os juízes conselheiros sustentam que foi a "emoção violenta da gravidez num estado de desvalimento que realmente" dominou os atos da mulher, salientando que "o que parece ser premeditação" do crime "será apenas certamente fruto de confusão". "Uma pessoa com dificuldades em orientar a sua vida, em ter ideias claras, não parece poder identificar-se com o racionalismo gélido de um delinquente tão claramente mental", frisam.
Sara F. deu à luz sozinha, na rua, a 4 de novembro de 2019, depois de ter recusado abortar e escondido a gravidez do seu então namorado. Após o nascimento, pôs o bebé dentro de um saco de plástico de que se munira na tenda do casal e deitou-o no ecoponto. No dia seguinte, viu-o entre o lixo, mas nada disse. O menino acabou por ser descoberto, 37 horas após o abandono, por outros dois sem-abrigo. Recuperou e foi depois entregue a uma família de acolhimento.
"A sociedade sem dúvida se sente chocada e ferida pela ação da recorrente e não se exime a exibir com veemência o seu juízo de reprovação. Mas não pode ser insensível, para fazer justiça, às agruras da sua situação, e em prol da sua dignidade, não pode senão tratá-la com o respeito que merece todo o ser humano", defendem os juízes. "Emocionalmente imatura", Sara F. chegou a estar institucionalizada na infância e foi expulsa de casa pelo pai do bebé antes de cair na rua.
Pormenores
Crime mudou
Sara F. tinha sido condenada pelo Tribunal Criminal de Lisboa por homicídio qualificado, na forma tentada. O Tribunal da Relação de Lisboa concordou, mas o Supremo decidiu que se tratou antes, dado o desespero da jovem, de homicídio privilegiado, na forma tentada. É menos gravoso.
Liberdade à vista
A pena poderia ter ido até três anos e três meses de cadeia. Em prisão preventiva há um ano e nove meses, Sara F. pode ficar livre em setembro. Quer viver com a família e estudar.