O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) da Procuradoria-Geral da República tem em curso investigações a possíveis fraudes em 345 obras e outros projetos apoiados por fundos comunitários desde 2012.
Corpo do artigo
A informação foi revelada por Ana Carla Almeida, procuradora do DCIAP, numa conferência sobre prevenção da fraude com fundos europeus, ontem, em Carcavelos.
Ana Carla Almeida disse que a verba que está em causa nas 345 operações investigadas é de 202,9 milhões de euros "e isto refere-se apenas ao incentivo aprovado, não é a valores de investimento". Ou seja, não é o valor que as obras em causa custaram, mas apenas a verba europeia com que foram financiadas.
Admitindo que nem todos os 345 projetos poderão ser fraudulentos, a procuradora ressalva que há, pelo menos, "indícios suficientes para se ter aberto uma investigação". Pode até acontecer que o impacto financeiro seja "muito superior" se, por exemplo, "estivermos perante uma fraude sistémica. E há aqui uma ou outra situação em que isto pode acontecer".
Os projetos investigados abrangem fundos estruturais, de agricultura e outros "de diversidade temática bastante grande", assegurou, embora as formas de cometer os crimes sejam "recorrentes". A conferência do grupo "Think Tank - Iniciativa Antifraude" visou a reflexão sobre a boa utilização dos recursos financeiros da União Europeia. Ali, na universidade Nova SBE, discutiram-se formas de prevenir a fraude com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, que destina 16,6 mil milhões de euros ao nosso país, e com o Portugal 2030, que dispõe de 23,8 mil milhões de euros de financiamento.
Recorde-se que o 32.º relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude, divulgado esta semana, coloca Portugal ligeiramente abaixo da média da União Europeia no número de irregularidades fraudulentas identificadas em 2020, com um total de 20 ocorrências, avaliadas em 15,7 milhões de euros. A média é de 21 irregularidades.
algoritmo dá pistas
Uma das principais iniciativas do Think Tank é o estudo da inteligência artificial para a deteção de fraude. Ricardo Paes Mamede, professor que o coordena, explicou que é possível partir de casos concretos em que houve e não houve fraude para criar um algoritmo que "identifica características que podem ser preditoras" do crime. O investigador acredita que o método consegue "prever com 80% a 90% de certeza situações que têm um elevado risco de fraude", mas há um problema: "Para que estes modelos funcionem, precisamos de ter um elevado número de observações em que houve fraude, e os dados neste momento apontam que não temos um grande número de casos em que tenha sido detetada".
Lucília Gago, procuradora-geral da República, assumiu o compromisso de intensificar "uma abordagem preventiva" a fenómenos disfuncionais no uso de fundos comunitários, para além de assegurar a "resposta repressiva".
Marcelo: "É preciso ir mais longe"
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aproveitou a conferência do Think Tank para voltar a pedir a criminalização do enriquecimento ilícito: "É preciso ir mais longe nas leis que abram caminho ao reforço da ética e da transparência na vida pública, e previnam e punam enriquecimentos não lícitos".
O chefe de Estado avisou ainda que é preciso ir "mais fundo nos meios humanos e outros de aplicação das leis, impedindo que nasça ou se acentue a ideia perigosa e inaceitável de que pode haver boas leis e julgadores atentos, mas que os ricos e poderosos sempre escaparão". Disse que o PRR "nunca poderá ser um propósito individual de um partido". Atualmente, existem seis projetos de lei contra o enriquecimento ilícito em apreciação no Parlamento do PS, PSD, BE, PCP, PAN e IL.