Benfica volta a ser alvo de buscas no inquérito que junta Caso dos e-mails e Mala Ciao. Santa Clara também suspeito.
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O empresário de futebol César Boaventura, que, em outubro de 2019, declarou que "a justiça tarda mas não falha", a propósito das buscas que então visaram um dirigente do São Pedro da Cova, de Gondomar, foi ele próprio alvo de uma das duas dezenas de buscas executadas na segunda-feira pela Polícia Judiciária (PJ), numa investigação sobre o alegado aliciamento de futebolistas adversários para facilitarem nos jogos contra o Benfica. O Estádio da Luz e as instalações do Santa Clara foram outros dos alvos.
A operação foi uma espécie de dois em um. Serviu para recolher provas num inquérito em que o Santa Clara e os seus dirigentes são suspeitos de fraude fiscal e branqueamento de capitais; e noutro que visa diretamente o Benfica, mas também envolverá o clube açoriano, por suspeitas de corrupção desportiva que põem em xeque futebolistas e clubes adversários do Benfica, mas também árbitros.
Foi no segundo inquérito, que junta o caso e-mails do Benfica e o Mala Ciao, que a PJ foi a casa de César Boaventura, em Fão, Esposende. A opção não espanta, porque o agente já foi denunciado, há muito, por ex-jogadores do Rio Ave. "César Boaventura tentou comprar-me antes do jogo contra o Benfica [na época 2015/16]. A mim, ao Cássio e ao Marcelo", declarou já o defesa brasileiro Lionn, citado pelo "Expresso", mais tarde jogador do Chaves.
Penálti aos 91"
As buscas ao universo Santa Clara, que incluíram a SAD e o seu presidente, Rui Cordeiro, foram justificadas por indícios de fuga ao Fisco e branqueamento, mas também pelas suspeitas de corrupção associadas ao Benfica. Neste particular, os investigadores procuraram elementos das transações de três ex-jogadores líbios do clube açoriano. Um deles seria cedido ao Benfica B, antes de ser emprestado ao Chaves e vendido a custo zero ao Aves.
Aqueles clubes, a par do Marítimo e do Vitória de Setúbal, têm sido apontados a propósito do Mala Ciao, que remete, genericamente, para um esquema de empréstimos, vendas e opções de recompra, com um naipe alargado de futebolistas. O Ministério Público e a PJ procuram apurar se jogadores e clubes "amigos" foram aliciados a facilitar contra o Benfica e a darem tudo contra o F. C. Porto, principal adversário dos encarnados.
Um dos casos investigados é o do brasileiro Luis Felipe, que o Benfica contratou em 2014 e, na época 2016/17, emprestou e, depois, vendeu ao Setúbal (foto). Ao minuto 91 de um jogo, aquele jogador derrubou o benfiquista Salvio e provocou um penálti que garantiu aos encarnados a vitória por 2-1 e quatro pontos de avanço sobre o F. C. Porto.
A investigação abarcará, porém, transações e suspeitas diversas, que, nalguns casos, não justificaram buscas. São exemplo disso as vendas de Pedro Nuno e Chiquinho, em 2016 e 2018, pela Académica ao Benfica, que terão levado investigadores a deslocar-se a Coimbra, mas sem mandado de busca.
Ontem, de resto, o Benfica e o Santa Clara manifestaram disponibilidade para colaborar com as autoridades. César Boaventura tinha o telefone desligado e não respondeu a mensagem enviada pelo JN.
Dirigentes do Santa Clara foram constituídos arguidos
O inquérito sobre as suspeitas de fraude fiscal e branqueamento que envolvem o Santa Clara terá levado à constituição de, pelo menos, dois arguidos: o presidente do Santa Clara, Rui Cordeiro, e o diretor desportivo, Diogo Boa Alma. Como ambos são advogados, estão protegidos por segredo profissional e só enquanto arguidos podiam ser alvo de buscas, como foram, pela PJ dos Açores, na presença do juiz Carlos Alexandre.
Esta investigação, que também implicou buscas em empresas e residências, foca-se na participação maioritária de Lau Lian Seng no capital da SAD Santa Clara e no papel do seu representante, o empresário brasileiro Khaled Ali Mesquita.
Empréstimos
Após a notícia das buscas ao Benfica e ao Santa Clara, a PGR informou que se investigam "empréstimos concedidos a um destes clubes e a uma sociedade desportiva, por um cidadão de Singapura com interesses em sociedades sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, e a utilização das contas do mesmo clube e de outro para circulação de dinheiro".
Este inquérito foi aberto nos Açores, mas seria transferido para a equipa do MP do Departamento Central de Investigação e Ação Penal que concentra investigações ao futebol.