Médica de Gaia não gostou de críticas e processou diretor da Academia de Estética, mas tribunal fez prevalecer liberdade de expressão.
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O Tribunal da Relação do Porto decidiu não levar a julgamento o diretor da Academia Portuguesa de Estética, Diogo Brandão, por este ter criticado, na rede social Instagram, dois tratamentos de medicina estética, um a estrias e outro ao clitóris, realizados na clínica da médica Ana Sousa, em Gaia. Esta clínica acusava Diogo Brandão de difamação e pedia uma indemnização de dez mil euros por danos não patrimoniais.
“Trocar dez estrias por dez manchas? Não têm noção do ridículo? Perderam a vergonha? Só queria ver como ficará depois da senhora se sentar meia dúzia de vezes”, escreveu o diretor da APE, em janeiro de 2021. Já quanto ao “o-shot”, nome de um procedimento publicitado para “mulheres que queiram melhorar a sensibilidade na região clitoriana”, Diogo Brandão ironizou, em dezembro de 2021: “Não importa a pessoa! Importa o conteúdo! Vi um único artigo publicado sobre o tratamento. Parece-me demasiado subjetivo para este tipo de comunicação... Agora, de uma coisa não tenho dúvida: deve ser uma grande prenda de Natal”.
Direito não deve intervir aqui
O Ministério Público e o arguido consideravam, no essencial, que as publicações não visavam a médica e a sua clínica e que eram meros juízos críticos, no exercício da liberdade de expressão, sobre o teor de procedimentos de medicina estética. Uma opinião agora subscrita pelos juízes da Relação.
No acórdão, a que o JN teve acesso, os desembargadores Jorge M. Langweg, Maria Deolinda Dionísio e Paula Cristina Jorge Pires referem que, “apesar do teor irónico, pouco ortodoxo, subjetivo e deselegante” dos comentários, “não se vislumbra que o arguido tenha imputado qualquer característica, defeito ou comportamento” à médica ou à forma como esta dirige a sua clínica ou efetua procedimentos médicos.
“Emite aquilo que constituem meras opiniões desfavoráveis a respeito de dois procedimentos de medicina estética no exercício da sua liberdade de expressão também constitucionalmente consagrada, em momento algum colocando em causa a consideração devida à assistente, nem sujeitando-a ao desprezo público”, lê-se na decisão.
Os juízes desembargadores lembram ainda que as publicações do arguido podem ser “injustas, deselegantes e até gratuitas e infundadas, de um ponto de vista médico, mas não têm a virtualidade de afetar a honra e consideração pessoal”. E sugerem que a médica não convive bem com a crítica: “O direito, enquanto limitador da liberdade de expressão, não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomode ou fira suscetibilidades das pessoas visadas”.
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Arguido lamenta falta de conciliação
Contactado pelo JN, o diretor da Academia Portuguesa de Estética, Diogo Brandão, afirmou que o arquivamento do processo não o deixou “surpreendido”. Esteve sempre “tranquilo”, disse, apesar de lamentar que não tenha havido uma “tentativa de conciliação” da parte da médica Ana Sousa.
Queixosa insiste que foi alvo de “má-fé”
A queixosa não esperava perder o processo, por entender que Diogo Brandão “agiu de má-fé”. Ana Sousa acrescenta que é “prática comum” do diretor da Academia Portuguesa de Estética criticar publicamente os procedimentos de profissionais da área.