Os juízos criminais, local e central, de Loures não se entendem sobre qual deles deve julgar os youtubers João Sousa e Paulo Borges (mais conhecido como Wuant), que estão acusados de difamar o influenciador digital Hugo Ferreira, conhecido na internet pelo nome artístico Hugo Strada. Em causa, segundo a acusação feita por Hugo Strada e a que aderiu o Ministério Público (MP), estão sete crimes de difamação, com publicidade e calúnia, bem como um pedido de indemnização de 58 800 euros, pelos danos causados por Wuant e João Sousa.
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O caso remonta ao verão de 2019, quando o MP decidiu abrir um inquérito-crime, depois de alegados comportamentos de Hugo Strada, retratados em várias plataformas online, com jovens youtubers adolescentes que agenciava, terem motivado vários reparos. Na altura, críticas divulgadas maioritariamente no Twitter apontavam que o youtuber, à data com 36 anos, interagia com menores com uma proximidade física considerada excessiva.
Entre os críticos estavam os "colegas" youtubers João Sousa e Wuant, acusados agora pelo queixoso de difundirem um vídeo editado para o difamar e de lhe chamarem "pedófilo" em vídeos e publicações nas redes sociais, perante milhares de seguidores.
A polémica também levou o YouTube a encerrar o canal da "Team Strada", que existia desde 2018 com vídeos publicados quase diariamente e que atingiam milhares de visualizações. E a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens recebeu queixas, que encaminhou para a Procuradoria-Geral da República. Mas, em maio de 2021, o procurador titular arquivou o inquérito.
Por causa do escândalo, Hugo Strada perdeu patrocínios e várias casas de diversão recusaram-lhe espetáculos. "Eu fui vetado. Eu lancei duas músicas e ninguém me quis na TV a atuar. Eu senti efetivamente o que é censura, o que é ser posto à parte, por uma coisa que não fiz. Eu abri os telejornais por uma coisa que não fiz", protestou, numa entrevista à TVI, em 2021.
Penas geram discórdia
Entretanto, o caso voltou ao palco da Justiça, com Hugo Strada a acusar João Sousa e Wuant de difamação. Este novo processo - em que um dos arguidos pediu a abertura de instrução, para evitar o julgamento, mas a acusação foi confirmada, em março - foi distribuído ao Juízo Local Criminal de Loures (tribunal singular, constituído por um único juiz) para a realização do julgamento. "Porém, este Juízo considerou-se incompetente. Atento o número de crimes e penas abstratamente aplicáveis, que ultrapassam os cinco anos de prisão, o processo devia ser distribuído ao Juízo Central Criminal", contou, ao JN, o advogado Nuno Areias, defensor de Hugo Strada.
Só que, a seguir, o Juízo Central Criminal (tribunal coletivo, com três juízes) também se declarou incompetente. Embora os crimes em causa tenham molduras penais cujo limite máximo ultrapassa cinco anos, o MP afirmou, na acusação, que não queria os arguidos condenados a mais de cinco anos, argumentaram os juízes do Juízo Central.
Por isso, caberá agora ao Tribunal da Relação de Lisboa resolver este conflito negativo de competência. O JN tentou ouvir os arguidos, mas não obteve respostas.
Alegadas vítimas não se queixaram e defenderam Hugo Strada
Num dos vídeos publicados no Youtube, Hugo Strada aparecia a invadir uma casa de banho em que uma das jovens pertencentes ao grupo se encontrava. "Aquilo era eu criar conteúdo. Eu não era só um homem de 36 anos a invadir uma casa de banho. Aquilo era uma relação entre nós que não é o que aquelas imagens editadas passaram", salientou. Neste caso em concreto, o MP chegou a considerar se em causa não estaria um crime de devassa da vida privada. No entanto, a alegada vítima nunca quis apresentar queixa e disse que tudo se tratava de uma encenação.
Já sobre o beijo nos lábios a "Dumbo", um outro jovem do grupo, durante o programa televisivo Curto Circuito, da SIC Radical, Hugo Strada frisou que o ato foi um "sinónimo de afeto". O jovem, por sua vez, sempre defendeu Strada das acusações e até chegou a revelar no Twitter que o via "como um pai". O MP ainda disse que tal situação poderia configurar um "ato de natureza sexual", mas que não existiu coação sexual. Em sede de inquérito, o jovem declarou expressamente que não queria apresentar queixa.
Numa outra situação que o MP averiguou, Hugo Strada aparecia numa fotografia tirada durante uma festa de aniversário com várias crianças, onde surge de lado a agarrar uma delas. Também aqui se colocou a questão sobre se existiria crime, mas a situação foi desvalorizada pelo MP. Comentando a decisão do MP, o youtuber revelou que "nunca" duvidou do arquivamento do caso. "Percebo que aquilo tenha ofendido muita gente. Aquilo era a Team Strada. Era uma anarquia governada onde toda a gente era ela própria e os fãs gostavam disso", disse.
"A Cristina Ferreira do YouTube"
Wuant, um dos youtubers acusados de difamação, tem 3,71 milhões de seguidores no YouTube. Em entrevista ao JN, em 2020, considerou ser "a Cristina Ferreira do YouTube", aludindo à popularidade da apresentadora de TV. Na instrução, a juíza disse que a mera visualização dos vídeos infirmava as declarações feitas pelo arguido em tribunal, negando os factos.
Tweets ainda online
Algumas das publicações alegadamente difamatórias ainda estão disponíveis na Internet. Numa delas, João Sousa, com 271 mil seguidores no YouTube, escreveu que denunciar Hugo Strada era "um dever cívico". "Ando a estudar o caso deles há algum tempo e quanto mais coisas vejo, mais preocupado fico", disse.
"Bullying constante"
Quando o inquérito por eventuais abusos sobre menores foi arquivado, Hugo Strada contou, em entrevista, que a "luta travada" tinha sido "muito pesada". "Estou a falar por mim e pelos jovens que, de cada vez que vão a um sítio, são interpelados. Há um bullying constante, que ainda continua, graças às ações de quem causou isto", queixou-se.