O Tribunal da Relação de Guimarães determinou que um médico do ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) de Braga terá de quebrar o sigilo profissional e depor como testemunha num inquérito por suspeita de crimes de tráfico de produtos estupefacientes agravado e de peculato. Um doente, ex-toxicodependente, confidenciou-lhe que recebeu morfina de uma amiga que trabalha num hospital. O médico recusou dizer nomes e a Ordem apoiou-o, mas a Relação decidiu que a quebra do sigilo é exigível face "à preponderância do interesse da administração da justiça".
Corpo do artigo
O inquérito do Ministério Público (MP) de Braga - refere o acórdão - "iniciou-se com uma participação da ARS [Administração Regional de Saúde] do Norte noticiando que, numa consulta médica, um utente ex-toxicodependente, durante a investigação de algumas queixas álgicas, revelou que faz uso de morfina subcutânea que "uma amiga" que trabalha no hospital local "lhe dá", descrevendo, detalhadamente, quer a embalagem da morfina quer o procedimento, inclusive com uso de agulhas subcutâneas que a mesma "amiga" lhe fornece".
Nessa sequência, considerou o MP que tal factualidade, em abstrato, pode integrar a prática dos crimes de peculato e outro de trafico de produtos estupefacientes agravado.
MÉDICO RECUSou
Assim, "iniciadas as diligências de investigação, foi inquirido o médico que, nessa consulta, obteve tais informações, o qual confirmou a situação, mas, instado no sentido de identificar o utente e a citada amiga que trabalhava no hospital, invocou o dever de segredo ao abrigo do Estatuto da Ordem dos Médicos e do Código Deontológico". Aí, o MP solicitou a necessária autorização à Ordem dos Médicos, que conferiu legitimidade à posição do clínico, não autorizando o levantamento do sigilo profissional.
Face à recusa "deontológica", a magistrada titular do inquérito considerou que, sem essas informações, não se consegue identificar os suspeitos dos crimes, nem desenvolver quaisquer outras diligências de investigação, sendo imprescindível, para a descoberta da verdade material, o depoimento do referido médico, onde este identifique o citado utente". Assim, os autos foram enviados ao juiz, o qual considerou legítima a recusa e determinou a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Guimarães.
Agora, os juízes invocam o artigo 135.º do Código de Processo Penal, o qual, ao aludir ao "Segredo Profissional" no seu n.º 1, prevê que "os médicos podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo", dizendo o n.º 3 do mesmo normativo que a intervenção do "tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional".
Tal pode suceder - sublinham - "sempre que se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos".
E concluem: "Assim, o dever de segredo profissional não é um dever absoluto, isto é, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever que com ele entre em conflito".
Os juízes da Relação dizem, em acórdão de janeiro, que, "apesar de ter sido legítima a recusa em causa", a quebra do sigilo médico é exigível face "à preponderância do interesse da administração da justiça".