O Tribunal de Trabalho de Castelo Branco reconheceu a existência de contratos de trabalho por tempo indeterminado entre quatro estafetas e a Uber Eats. A sentença identificou a existência de três indícios que presumem uma ligação de laboralidade com a plataforma digital. A empresa já anunciou que irá recorrer.
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Segundo a decisão a que o JN teve acesso, “não restam dúvidas de que a Uber é uma plataforma digital” e que é ela que “estabelece os limites máximo e mínimo de retribuição dos estafetas”, que “determina as regras específicas quanto à prestação da atividade” e “restringe a autonomia dos estafetas quanto à escolha do horário de trabalho”.
Assim, conclui a juíza Alexandra Sousa, os factos provados “permitem fazer funcionar a presunção de laboralidade, no sentido de qualificar a relação havida entre a Uber e os estafetas como relações de trabalho subordinado”. A ação de reconhecimento de contrato de trabalho fora intentada pelo Ministério Público após uma inspeção da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) agosto do ano passado em Castelo Branco.
A decisão tem como fundamento as alterações ao Código de Trabalho que entraram em vigor a 1 de maio do ano passado. Segundo esta nova legislação, havendo a verificação de dois indícios de laboralidade aplica-se a presunção de existência de contrato de trabalho entre estafetas e as plataforma digitais. Neste caso, foram encontrados três indícios.
Uber não demonstrou que estafeta presta atividade de forma autónoma
O tribunal frisa que a Uber poderia ter afastado aquela presunção de laboralidade. Porém, “não conseguiu demonstrar que o estafeta presta a sua atividade de forma autónoma”.
Aliás, se pretendessem ser verdadeiramente autónomos e não utilizassem a marca Uber, estariam “condenados ao fracasso”, já que o êxito deste tipo de plataformas deve-se à publicidade que elas fazem nas redes sociais e nos motores de busca. Ou seja, os meios que o estafeta possui, o veículo e o telemóvel, possuem escasso valor para a atividade.
“O estafeta, quando se inscreve na plataforma, fica integrado na organização produtiva da ré (ficando até coberto por seguro por esta contratado), não tendo qualquer tipo de responsabilidade perante o cliente sendo que todo o processo de faturação fica a cargo da plataforma”, lê-se na decisão com a data de 19 de março.
Uber controla todos os aspetos através da aplicação
“A Uber não se limita a encomendar ao estafeta a entrega do produto, mas também estabelece a forma como deverá fazê-lo, controlando todos os aspetos através da aplicação e tomando todas as decisões finais, sendo o preço, a forma e pagamento e a taxa de entrega fixados exclusivamente pela empresa, nada recebendo os estafetas diretamente dos clientes. Por outras palavras, a partir do momento em que o estafeta se liga à plataforma ele passa a integrar um serviço por ela organizado”, conclui a juíza.
Por fim, a sentença frisa que este processo apenas tratou de reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre a Uber Eats e os quatro estafetas e “é apenas isso que será reconhecido. Outra coisa, logicamente posterior, é determinar o regime jurídico aplicável a esse contrato”.
Empresa vai recorrer e diz que lançou novo modelo há um ano
A Uber salientou que esta não é uma decisão final e já anunciou que irá recorrer. “Há um ano, lançámos um novo modelo que permite aos estafetas continuar a fazer entregas como prestadores de serviço independentes, em conformidade com a regulação laboral de Portugal. Este modelo envolve mudanças estruturais para aumentar a independência e o controlo dos estafetas sobre a sua experiência com a aplicação, incluindo a capacidade de estabelecer as suas próprias tarifas. Todos os estafetas que usam a nossa aplicação podem decidir livremente quando, onde e como a querem usar.", acrescentou a empresa.