Há um milhão de europeus a consumir heroína. A estimativa é do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) e da Europol. Num relatório apresentado nesta quarta-feira, alerta-se para o crescimento de uma droga que, em 2021, teve mais de 9,5 toneladas apreendidas. O valor mais elevado em 20 anos.
Corpo do artigo
Os números expostos no “Mercados de droga da UE: análise aprofundada”, impressionam. Só em 2021, um milhão de toxicodependentes europeus consumiram cerca de 124 toneladas de heroína. Este montante fez com que o mercado do tráfico de heroína na União Europeia (UE) fosse avaliado em 5,2 mil milhões de euros.
“Em 2021, mais de 9,5 toneladas de heroína foram apreendidas na UE. Esta é a maior quantidade apreendida em 20 anos”, destaca o OEDT e a Europol, que informam, igualmente, que só na Turquia foram apanhadas 22 toneladas. Um recorde.
Quilo de heroína a 24 mil euros
Apesar de, entre 2011 e 2021, ter duplicado a quantidade de heroína apreendida em território europeu, o estudo garante que o preço desta droga, traficada com níveis cada vez mais elevados de pureza, seguiu uma tendência de descida e está hoje mais baixo do que há uma década.
“Embora haja variação entre os países inquiridos, entre 2017 e 2021, o preço grossista da heroína diminuiu 18%, passando de 29 213 para 24 099 euros/quilograma. Isto é preocupante, uma vez que as reduções de preços podem conduzir a um aumento do consumo, tanto em termos do número de consumidores como das quantidades consumidas pelos toxicodependentes”, lê-se no relatório.
Os especialistas europeus encontraram, aliás, 15 sites na darknet nos quais um quilo de heroína era traficado entre 13 500 e 22 500 euros. “Tais preços nos mercados da darknet, comparativamente baixos, sugerem que a heroína pode ter sido adulterada ou que são anúncios fraudulentos”, avisam, porém.
O regresso da popularidade da heroína está já a causar efeitos nocivos. Em 74% das mortes por overdose registadas em 2021, na Europa, foi detetado o consumo de opiáceos, sobretudo heroína. E há cada vez mais dependentes desta droga em tratamento. Também os crimes cometidos por consumidores de heroína estão, como num passado que parecia esquecido, a ganhar preponderância.
Portugal não é porta de entrada na Europa
Contrariamente ao que acontece com a cocaína, Portugal não é uma porta de entrada da heroína na UE. Esta droga, originária do Afeganistão, chega à Europa por quatro rotas: Balcãs, Meridional, Cáucaso e Norte.
A primeira, e que já foi a preferida das organizações criminosas, recorre a uma via terrestre que incluí passagens pelo Irão e Paquistão antes de chegar à Turquia e seguir pela Bulgária e Grécia. Na rota Meridional, o caminho para a Europa faz-se, depois de atravessar o Irão e o Paquistão, pela costa da África Oriental ou pela Península Arábica, enquanto na rota do Cáucaso o trajeto prevê passagens pela Arménia ou Azerbaijão até à Geórgia e, depois, pelo Mar Negro, em direção à Bulgária, Roménia ou Ucrânia.
Na rota do Norte, os traficantes seguem pelo Tajiquistão, Quirguistão ou Usbequistão até ao Cazaquistão em direção à Rússia e Ucrânia. O trajeto passa, em seguida, por estados-membros da UE, em particular os países bálticos e a Polónia.
“A intensidade da utilização de determinadas rotas tem variado ao longo do tempo e as combinações de rotas utilizadas pelos traficantes parecem estar a aumentar. Isso é impulsionado por uma série de fatores, como as condições geopolíticas, sociais e económicas, incluindo o nível de risco, percebido ou real, de apreensões ao longo das rotas, o volume dos fluxos migratórios, o estado da infraestrutura de transporte, o nível de vulnerabilidade à corrupção e o tamanho do mercado”, refere o observatório e Polícia europeus.
Certo é que países como a Turquia e os Emirados Árabes Unidos estão a ganhar relevância como “pontos de transbordo”. “Portos em África, Iraque, Paquistão, Turquia, Emirados Árabes Unidos e países do Mar Negro ou do Mar Adriático são usados como pontos de transbordo, onde a heroína é mudada de um contentor para outro. Ao longo de rotas terrestres, especialmente em postos fronteiriços ou terminais de mercadorias, a heroína também pode ser carregada em camiões registados na UE. Em ambos os casos, a carga costuma ser assumida por novas empresas de logística para afastar suspeitas”, descreve o relatório.
Organizações de todo o lado e de todo o género
Estas rotas são percorridas por uma imensidão de organizações criminosas dedicadas ao tráfico de heroína. Algumas delas, frisa o OEDT, são “compostas por várias nacionalidades” e estão concentradas nos Países Baixos, que continuam a “ser um dos principais centros de distribuição de heroína na UE”.
“As redes criminosas neerlandesas cooperam amplamente com outros grupos criminosos na importação de heroína e outras drogas. Recebem e armazenam heroína para distribuição nos mercados de destino final em várias partes da UE”, descrevem os especialistas.
Redes com origem na Turquia, como a que foi desmantelada pela Europol, em 2020, também são “responsáveis por organizar o tráfico de heroína do Médio Oriente para a Europa”. A Europol garante, de igual modo, que “redes criminosas constituídas por membros de origem curda continuam a figurar entre os principais importadores e distribuidores de heroína na Europa”.
“Essas redes mantêm o controlo sobre vários segmentos da cadeia de abastecimento, incluindo ligações importantes com fornecedores nos países produtores. Também estabelecem negócios legais em locais-chave para facilitar suas atividades ilícitas, particularmente em países ao longo da rota dos Balcãs e em centros de distribuição na Europa Ocidental”, acrescenta o documento.
Organizações paquistanesas e grupos de origem iraniana “desempenham também um papel fundamental na importação de heroína para a UE”. O mesmo sucede com grupos criminosos “ligados à região dos Balcãs” e africanos. “Os grupos criminosos da África Ocidental, especialmente os nigerianos, continuam a estar envolvidos na importação e distribuição de heroína na UE, utilizando em grande parte estafetas que transportam heroína de África através dos principais aeroportos da UE”, conclui-se.