Transporte de valores em viaturas blindadas passa a ser obrigatório apenas acima de 150 mil euros, propõe o Governo.
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Incompreensível e perigosa. É assim que a Associação de Empresas de Segurança (AES) qualifica uma proposta de revisão da Lei da Segurança Privada, que o Governo entregou na Assembleia da República (AR) para ser discutida. A obrigatoriedade de os valores transportados por veículos blindados passarem dos atuais 15 mil para 150 mil euros é um dos exemplos usados pela AES para garantir que a alteração legislativa irá potenciar assaltos violentos - além de atirar para o desemprego centenas de pessoas.
Ao JN, Rogério Alves, presidente da AES e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, afirma que, se a lei elaborada pelo Ministério da Administração Interna passar na AR, estarão reunidas as condições para um aumento do crime violento.
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"O facto de se prescindir das empresas de transporte de valores cria condições para um aumento dos assaltos, do perigo nas ruas, do aumento da violência deste tipo de assaltos. É uma preocupação que é partilhada pelas forças de segurança e pela Polícia Judiciária que, tanto quanto sabemos, não foram ouvidas nesta matéria", explicou Rogério Alves, admitindo até o aparecimento de ameaças externas, como máfias estrangeiras.
"A partir de agora, quando virmos um veículo de transporte de valores, pelo menos 150 mil euros terão de estar ali e poderá haver mais. É uma imagem sugestiva. Não sei se vêm aí máfias, mas que se criam condições, sem qualquer fundamento, para a multiplicação da insegurança num fenómeno que está pacificado é uma atitude que não se consegue compreender. Cumpre mal a função do Estado em garantir a segurança", afirmou o responsável.
Confrontado pelo JN, o Ministério da Administração Interna responde que "a razão desta alteração prende-se com a necessidade de diminuir os custos de contexto de algumas atividades, que se viam obrigadas a recorrer a empresas de segurança privada", em casos em que não estava demonstrado "um maior nível de segurança face a outras medidas".
"Importa salientar que o facto de ser obrigatório a partir de certo valor, não significa que as empresas não possam contratar empresas especializadas abaixo desse valor, de acordo com os seus próprios critérios de gestão e de análise de risco", frisa o MAI, garantindo que "esta alteração não coloca em causa a manutenção da atividade das empresas de segurança privada que fazem transporte de valores".
Risco de branqueamento
Além de salientar a proposta de que as polícias também possam transportar dinheiro, a tutela refere que se prevê a possibilidade de "impor outras medidas de segurança obrigatórias quando a avaliação de risco realizada pelas forças de segurança determine a necessidade de adotar medidas de caráter excecional para fazer face a um fenómeno criminal específico".
Outro problema apontado por Rogério Alves prende-se com a prevenção do branqueamento de capitais.
"Numa altura em que o Estado monitoriza contas com mais de 50 mil euros, o Banco Central Europeu vai deixar de emitir notas de 500 euros e todos os pagamentos em dinheiro causam alguma suspeita, o dinheiro vai passar a andar em rédea solta, desde que sejam em montantes inferiores a 150 mil euros? Qual a justificação? Tem aqui um risco em termos de branqueamento de capitais, porque atualmente as empresas não transportam só. Monitorizam, rastreiam e tratam", assegura o presidente da AES.
A AES questiona ainda o facto de a autoproteção das empresas sair da esfera da lei da segurança privada. Atualmente, algumas entidades e empresas podem, ao abrigo desse conceito, organizar os seus próprios sistemas de segurança sem recorrer a empresas especializadas, mas estão sujeitas a determinados requisitos.
De acordo com a AES, a proposta de lei vem desregular esse conceito, abrindo a porta a vários perigos, como, por exemplo, as empresas como as concessionárias de aeroportos poderem usar funcionários indiferenciados para controlar as pessoas nas alfândegas.
"O que está em causa é que temos hoje um corpo de pessoas formadas para exercerem essa função. Porque é que se abre agora aqui este caderno em branco quando as coisas funcionavam bem?", questiona Rogério Alves, para quem a medida pode também potenciar um aumento da segurança ilegal.